Rosa Passos - Feitiço da Vila
Quem nasce lá na Vila
Nem sequer vacila
Ao abraçar o samba
Que faz dançar os galhos,
Do arvoredo e faz a lua,
Nascer mais cedo.
Lá, em Vila Isabel,
Quem é bacharel
Não tem medo de bamba.
São Paulo dá café,
Minas dá leite,
E a Vila Isabel dá samba.
A vila tem um feitiço sem farofa
Sem vela e sem vintém
Que nos faz bem
Tendo nome de princesa
Transformou o samba
Num feitiço descente
Que prende a gente
O sol da Vila é triste
Samba não assiste
Porque a gente implora:
"Sol, pelo amor de Deus,
não vem agora
que as morenas
vão logo embora
Eu sei tudo o que faço
sei por onde passo
paixao nao me aniquila
Mas, tenho que dizer,
modéstia à parte,
meus senhores,
Eu sou da Vila!
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Corria o ano de 1934, e Noel tinha 24 anos. Lela Casatle, uma jovem mocinha da Vila Isabel, era eleita Rainha da Primavera. A musa estampa as primeiras páginas de revistas e jornais cariocas, e compositores passam a lhe dedicar seus sambas e choros. Junto com seu parceiro Osvaldo Gogliano (o Vadico), Noel também decidiu homenagear a moça e, por tabela, imortalizar Vila Isabel, o bairro onde havia nascido e permaneceria até sua morte, dois anos mais tarde. Surgia, assim, Feitiço da Vila: “Quem nasce lá na Vila/ Nem sequer vacila/ Ao abraçar o samba (...)// São Paulo dá café/ Minas dá leite/ E a Vila Isabel dá Samba”.
No programa carioca A Voz do Rádio, diria o poeta em entrevista: “Enterneci-me vivamente quando senti que meu samba Feitiço da Vila calara fundo no espírito daquela gente boa. (...) Numa mostra de curiosidade bem feminina, as moças perquiriram as razões que inspiraram o título. Traduzi-o por Feitiço da Minha Pátria, pois nunca me senti melhor do que no recanto calmo e bonançoso de Vila Isabel”.
As grandes paixões de Noel – o samba, as mulheres e sua Vila Isabel – estão juntas na letra de "Feitiço da Vila". A complexa e bonita melodia, uma das mais interessantes do gênio de Vadico, foi gravada pela primeira vez pelo cantor João Petra de Barros, ainda em 1934. Mas a versão definitiva da canção seria a de Aracy de Almeida, em álbum de 1950. O nome de Vadico foi omitido nos créditos de Feitiço da Vila e de outro clássico, Conversa de Botequim. O compositor processou em 1954 a gravadora Continental, e o fato gerou uma breve polêmica sobre as qualidades de Noel como compositor de melodias.
Um ano após escrever a letra de "Feitiço da Vila", Noel ainda acrescentaria alguns versos à canção, entre os quais: “A zona mais tranqüila/ É a nossa Vila/ O berço dos folgados/ Não há um cadeado no portão/ Pois na Vila não há ladrão!”. Esse complemento serviu , em grande parte, de resposta ao ainda desconhecido Wilson Batista. Sambista nascido em Campos, no interior do Rio de Janeiro, Batista iniciou uma longa disputa com Noel Rosa em 1933, ano em que lançou "Lenço no Pescoço", canção na qual exalta a associação do samba com a malandragem. Noel compõe, então, Rapaz Folgado, em que contesta a letra de Batista. A resposta é Mocinho da Vila, uma crítica aberta a Noel.
Com o sucesso de "Feitiço da Vila", Batista vê a oportunidade de reacender a polêmica e pegar carona no sucesso de Noel. Assim, compõe "Conversa Fiada", que é uma resposta direta a "Feitiço da Vila"; não atingiu o sucesso desta, mas não permaneceu no ostracismo e já preconizava o grande sambista. A canção desperta o gênio de Noel, que compõe em resposta, um dos sambas mais brilhantes de sua carreira, Palpite Infeliz. Batista ainda tenta retrucar com canções de insulto como Frankenstein da Vila e Terra de Cego, mas estava encerrada a contenda entre os sambistas, que mais tarde se tornariam amigos.
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Fonte: Revista Bravo - 100 Canções Essenciais da Música Popular Brasileira
Colaboração: Fabio Eça.
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