12 de fev. de 2010

História do Carnaval de Salvador (Cronograma) *

Apresento a todos, alguns acontecimentos mais importantes do carnaval de Salvador com os 60 anos do Trio Elétrico e 25 de Axé Music comemorados neste ano de 2010, numa linha do tempo:

- 1938 - O músico e técnico de rádio Adolfo Nascimento (Dodô) e o músico e engenheiro mecânico Osmar Macedo se conheceram em uma rádio, tornando-se parceiros musicais e também integrantes de um conjunto criado por Dorival Caymmi (Os Três e Meio).
- 1942 - Dodô cria o pau elétrico que era um violão eletrizado, com cordas adaptadas para criar um som limpo, sem microfonia. Seria o embrião da futura guitarra elétrica.
- 1949 - Criação do primeiro bloco de Salvador - os Filhos de Gandhi - em homenagem ao líder pacifista indiano Mahatma Gandhi, assassinado no ano anterior.
- 1950 - Usando da amplificação do som de diversos instrumentos de corda e equipando um Ford 1929 (o Fobica) com caixas acústicas, Dodô e Osmar enfeitam o veículo (que seria o embrião do futuro trio elétrico) e desfilam pelas ruas de Salvador no carnaval conhecida como a "dupla elétrica".
- 1951 - Convidam o amigo e músico Temístocles Aragão, vindo a formar o primeiro "trio elétrico".
- 1952 - Descoberto pelo empresário Miguel Vita, o trio recebe patrocínio dos refrigerantes Fratelli e passa a usar um veículo grande com 8 auto-falantes, geradores e várias iluminações, ampliando sua criação, deixando o velho Fobica e passa a tocar nas ruas de Salvador (Campo Grande e Praça Castro Alves) e outros estados tocando frevos. Temístocles abandona o trio, mas o nome fica.
- 1953 - Ano em que foi fundado o Cordão Carnavalesco Filhos do Tororó, primeiro bloco de samba de Salvador e que logo se tornaria uma das mais tradicionais e premiadas escolas de samba na década de 1960, sob a presidência de Arnaldo Silva (Sêu Arnaldo), vindo a revelar um dos grandes cantores e compositores da Bahia: Ederaldo Gentil.
- 1957 - Criação da tradicional Escola de Samba Ritimistas do Samba.
- 1958 - O carnavalesco Orlando Campos cria o Trio Tapajós e se tornaria um dos mais importantes trios ao lado de Dodô e Osmar, devido às grandes inovações em torno da estrutura do trios. A partir daí surgem novos trios que começam a fazer sucesso na Bahia e no Brasil.
- 1959 - Surge a Mudança do Garcia, bloco formado pela associação dos moradores do bairro do Garcia, em Salvador, que desfila toda segunda-feira no Campo Grande, fazendo protesto crítico e político de forma irreverente e divertida. A história deste bloco vem após a 2ª Guerra Mundial quando algumas pessoas (os arranca-tocos) buscavam encontrar vários objetos para desfilar no carnaval com diversão e alegria até 1950 quando ficou conhecido como "Faxina do Garcia" e logo mudando o nome para "Mudança do Garcia". No mesmo ano é fundada a Juventude do Garcia, uma das grandes e tradicionais escolas de samba de Salvador.
- 1961 - Surge o primeiro desfile público do Rei Momo no carnaval, papel desempenhado pelo motorista de táxi e funcionário público Ferreirinha.
- 1962 - Criação do bloco Os Internacionais (também chamado de Inter) no bairro de Santo Antônio, em Salvador. O bloco marcaria pela inovação das fantasias carnavalescas e marchinhas de carnaval, com uso de mortalhas e cordas sendo desfilado apenas por homens, até início da década de 1980 quando passará a ser aberto para mulheres e comandado pela banda Chiclete Com Banana. Passaram também pelo bloco: Cid Guerreiro, Daniela Mercury, Asa de Águia, Netinho, Timbalada, Margareth Menezes, Tribahia, Rapazolla, Negra Cor, Claudia Leitte e, atualmente, por Tomate (ex-vocalista da banda Rapazolla).
- 1963-1964 - Hamilton e vários amigos fundam o bloco Corujas que se torna um dos tradicionais do carnaval de Salvador. Surgem dois blocos que "rivalizam" pelos seus associados: o bloco do Barão e o bloco do Jacu que vêm a acabar na década de 1980.
- 1965 - Criação do bloco As Muquiranas através de uma brincadeira de amigos que gostavam de se vestir de mulher no carnaval e curtir a folia com muita irreverência e humor, fazendo sucesso até hoje.
- 1968 - Em 28 de outubro deste ano, é criado o bloco indígena Apaches do Tororó, por Agildo, Antônio Belmiro e Edvaldo Góes, apresentando um engajamento social nas suas apresentações.
- 1969 - Apresentação de Armandinho, filho de Osmar Macedo e que era integrante do Trio Elétrico Mirim em 1962 aos 9 anos de idade, no programa "A Grande Chance", de Flavio Cavalcanti pela TV Tupi. Em 1975, Armandinho integraria o que viria a ser conhecido até hoje como Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar. Ainda neste ano, o cantor e compositor Caetano Veloso compõe e grava a música "Atrás do Trio Elétrico" que se tornaria um dos hinos dos trios criados na época e do carnaval.
- 1970 - O grupo Novos Baianos formado por Moraes Moreira, Pepeu Gomes, Baby Consuelo, Paulinho Boca de Cantor e Galvão lança seu primeiro disco É Ferro na Boneca.
- 1972 - Orlando Campos (já conhecido como Orlando Tapajós) cria o antológico trio Caetanave em homenagem a Caetano Veloso que voltava do exílio, vindo a gravar o primeiro disco de trio elétrico (Caetanave) e fazendo apresentações em tv. O grupo Novos Baianos lança seu segundo disco influenciado por João Gilberto e se tornando um dos grandes sucessos da MPB: Acabou Chorare.
- 1974 - É criado no bairro da Liberdade, em Salvador, o primeiro bloco afro brasileiro: Ilê Aiyê. A proposta do bloco é a afirmação dos valores e da cultura negra. Sua estréia no carnaval ocorre no ano seguinte, com a composição do baiano Paulinho Camafeu "Ilê Ayê (Que Bloco É Esse?)", vindo a ser regravada por Gilberto Gil em 1977 no seu disco Refavela.
- 1975 - Após sair do grupo Novos Baianos, o cantor e compositor Moraes Moreira se torna o primeiro cantor do trio, cantando junto com o Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar e que viria a compor grandes clássicos do carnaval baiano como "Pombo Correio", "Vassourinha Elétrica" e "Chame Gente", além do lançamento do disco Jubileu de Prata, dirigido por ele. Antes os trios eram instrumentais. Neste ano, Antônio Carlos Santos de Freitas inicia-se como músico percussionista vindo a ser conhecido como Carlinhos Brown, tendo como seu mestre Osvaldo Alves da Silva, conhecido como Pintado do Bongô. É criado o bloco Comanches do Pelô, que busca preservar a tradição indígena dos Comanches no carnaval, liderado pelo atual presidente Jorginho Comancheiro.
- 1977 - Caetano Veloso lança um disco totalmente voltado para o carnaval com Muitos Carnavais, com destaque para os sucessos "Atrás do Trio Elétrico", "Um Frevo Novo", "Chuva, Suor e Cerveja" e da faixa-título.
- 1978 - Morre Dodô, um dos criadores do trio elétrico ao lado de Osmar. Surgem novos nomes que irão despontar no carnaval baiano: Jota Morbeck (que estréia no trio Tapajós), Virgilio, Lui Muritiba, Zé Honório, Ademar, Gerônimo e Carlos Pita.
- 1979 - Nascimento do bloco afro Malê Debalê e a fundação do grupo musical e cultural Olodum, no Pelourinho, em Salvador. Criação do Camaleão que se torna um dos tradicionais blocos do carnaval por onde passará artistas como Luiz Caldas e a futura banda Chiclete Com Banana. Também é criado o bloco e banda Papaléguas (atual Papa, puxado por Claudia Leitte) por um grupo de amigos do Colégio Salesiano.
- 1980 - Surge no bairro de Periperi, em Salvador, o bloco afro Ara Ketu que estréia no carnaval no ano seguinte tornando-se campeão com a música "O Princípio do Mundo". No mesmo ano, o bloco Ilê Aiyê torna-se patrimônio da cultura afro baiana. O Olodum apresenta o cantor e compositor Tonho Matéria como seu primeiro vocalista e, devido a uma racha com o bloco, os dissidentes separatistas criam o bloco reggae Muzenza, no bairro da Liberdade. Ainda no mesmo ano, velhos amigos de um grêmio localizado na Estrada Velha do Aeroporto criam o EVA que se tornaria um dos grandes blocos do carnaval de Salvador. E na Cidade Baixa, Windson Silva, Walter Brito e demais amigos criam o bloco Cheiro de Amor que lança sua banda Pimenta do Cheiro, no carnaval de Salvador, que mais tarde se tornaria a banda Cheiro de Amor. Pela banda, passaram os vocalistas Gildo (já falecido), Gugui, Laurinha (que, em breve, entra para a banda Novos Bárbaros onde grava dois discos), Márcia Freire, Kako, Serginho, Carla Visi e, atualmente, Alyne Rosa.
- 1981 - Surge a banda Pinel, paralela ao bloco homônimo, tendo como vocalista o cantor e compositor Ricardo Chaves, o guitarrista e compositor Durval Lelys (que posteriormente cria a banda Asa de Águia, em 1987) e a back vocal Daniela Mercury. O maestro e mestre de bateria Neguinho do Samba sai do bloco Ilê Aiyê e vai para o Olodum onde criaria mais tarde o samba-reggae, gênero que marcaria a batida da banda e seu reconhecimento pelo mundo. Criação do bloco Traz a Massa. O Trio Tapajós comemora 25 anos e lança o disco comemorativo Jubileu de Prata tendo na frente: Luiz Caldas e Jota Morbeck.
- 1982 - Ocorre a ampliação e sofisticação do estúdio de Wesley Rangel (WR), tornando-se uma grande gravadora e principal responsável pelo desenvolvimento da música baiana. O cantor e compositor Luiz Caldas cria a banda Acordes Verdes, que tinha os melhores músicos da época como o percussionistas Carlinhos Brown e Tony Mola (mais tarde criaria a banda Bragadá), o baterista Cesinha e o tecladista Alfredo Moura e que vira a grande atração do Trio Tapajós e do bloco Beijo em 1983, ano de sua criação, e emplaca com a música "O Beijo". A banda Scorpius, que tocava em bailes de carnaval e no bloco Traz os Montes, vira Chiclete Com Banana (liderada pelos irmãos Bell e Wadinho Marques), e grava seu primeiro disco, tornando-se principal atração do Trio Elétrico e blocos Traz a Massa, Internacionais e Camaleão (este último, a partir de 1990 até os dias atuais).
- 1985 - Marco do axé-music (gênero que representaria o estilo musical criado na Bahia) com a música "Fricote", de Luiz Caldas e Paulinho Camafeu, incluída em seu disco Magia no ano seguinte, originando a primeira coreografia apresentada no carnaval de Salvador com o deboche. O cantor se torna o "pai do axé-music".
- 1986 - É criada a banda Beijo, liderada por Netinho. Tatau se torna vocalista da banda Ara Ketu, lançando um sucesso do bloco para o carnaval com a música "Uma História de Ifá (Elejigbô)" que seria gravada depois por Margareth Menezes. Chiclete Com Banana explode nacionalmente com o disco Gritos de Guerra. O samba-reggae surge em Salvador com o ritmo da música "Faraó (Divindade do Egito)" composta por Luciano Gomes nos ensaios do Olodum e gravada com sucesso pela Banda Mel, um ano depois. No Pelourinho, o conceituado percussionista Mestre Prego cria o projeto e a banda Meninos do Pelô formada por garotos. O cantor e compositor Gerônimo, que já era conhecido pelas suas composições como "É d'Oxum" e "Mensageiro da Alegria", lança seu grande sucesso que marcaria o carnaval no ano seguinte chamado "Macuxi Muita Onda (Eu Sou Negão)" e, mais tarde, iria compor "Menino do Pelô", em homenagem à banda homônima, tornando sucesso na voz de Daniela Mercury.
- 1987-1989 - Em 1987, surge a banda Reflexu's que lança seu primeiro disco Mãe África. Criação do Crocodilo por Renato Linhares que se torna um dos grandes blocos do circuito Campo Grande onde passou nomes como Jorge Zarath, Asa de Águia, Ricardo Chaves e atualmente comandado por Daniela Mercury que desfila no circuito Barra/Ondina. Em 1988 a banda Mel lança E Lá Vou Eu, considerado seu maior disco e o publicitário Nizan Guanaes compõe o jingle e clipe "We Are the World of Carnaval" para promover o turismo e o carnaval de Salvador com a reunião de diversos artistas. Em 1989, Olodum é conhecido mundialmente ao participar do clipe de Paul Simon ("The Obvious Child") e Carlinhos Brown lança o grupo e movimento denominado Timbalada, no Candeal, gravando seu primeiro disco em 1993.
- 1992-1993 - Daniela Mercury, ex-vocalista da banda Companhia Clic lança seu segundo disco O Canto da Cidade e se consagra nacionalmente como a rainha do axé-music, vendendo 1 milhão de cópias. Ivete Sangalo é convidada pra ser vocalista da banda Eva e líder do bloco Eva, onde já passou nomes como Jota Morbeck, Ricardo Chaves, Marcionílio e Asa de Águia. É criado o Troféu Dodô e Osmar, considerada a premiação mais importante do carnaval baiano. Também é oficializado o circuito Dodô, no carnaval de Salvador, que é o trecho que vai da Barra a Ondina e criado pelo empresário Alberto Tripodi (vindo a falecer em 2009, sendo pai da cantora Viviane Tripodi e criador dos Trios Tripodão e Novos Bárbaros onde passaram Sarajane, Book Jones, Laurinha, Simone Moreno e Jota Morbeck). Em 1993, a Timbalada grava seu primeiro cd e fica conhecida nacionalmente. Também é criado Projeto Didá com o bloco e a banda feminina Didá, por Neguinho do Samba, sendo transformada em uma associação cultural sem fins lucrativos, abrangendo a Escola de Artes e a Associação Educativa e Cultural, localizadas no Centro Histórico de Salvador.
- 1997-1999 - Morre Osmar Macedo, criador do trio elétrico junto com Dodô. Em 1999, é criado no bairro da Liberdade, o bloco Os Mascarados que será puxado pela cantora Margareth Menezes. Ivete sai da banda Eva e parte para carreira solo.
- 2000 aos dias atuais - O carnaval de Salvador se torna uma grande indústria mercadológica, lançando artistas como produtos de vendas e consolidando a carreira dos artistas que já estavam na estrada junto com seus blocos, atraindo turistas do Brasil e do mundo inteiro. Em 2010, comemora-se 60 anos de trio elétrico e 25 anos de axé-music.
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Fontes: A Tarde, Carnaxé, Clique Music, blog Tempo Música, site de Luiz Américo e Wikipédia.
* Sujeito a alterações.



10 de fev. de 2010

Salvador comemora 60 anos do Trio Elétrico e 25 de Axé

No carnaval de 1950 em Salvador, os músicos Dodô e Osmar buscavam um jeito de divulgar seu novo som, tocado na guitarra baiana, instrumento ainda pouco conhecido do público. Dono de uma oficina mecânica, Osmar restaurou um Ford 1929, conhecido como ‘Fobica’, e pintou a lataria com bolas coloridas que lembravam confetes. Dodô instalou alto-falantes na bateria do carro. Os dois saíram tocando em cima do veículo em direção à Praça Castro Alves e levaram junto quem encontraram no caminho. Era o nascimento do trio elétrico.

Para comemorar os 60 anos da invenção que virou símbolo do carnaval de Salvador, os organizadores prepararam homenagens neste ano. A abertura da festa, quando o prefeito entrega a chave da cidade ao Rei Momo, será realizada em cima de um carro igual ao ‘Fobica’. Moraes Moreira, primeiro a cantar num trio elétrico e há dez anos afastado da folia baiana, lembrará sucessos que marcaram décadas num desfile sem cordas ou abadás.

Outra aniversariante que será lembrada na festa é a axé music, que completa 25 anos em 2010. Para comemorar, artistas que ajudaram a criar o estilo, como Luiz Caldas, comandam trios independentes (abertos ao público) nos Circuitos Dodô (Barra/Ondina) e Osmar (Avenida). Por esses circuitos passam os famosos blocos de abadás. Seja como for, pagando muito ou quase nada, a animação em Salvador é garantida.
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Fonte: O Estado de São Paulo. Fevereiro/2010.


9 de fev. de 2010

As Bodas do Axé




Entrevista com Hagamenon Brito, por Tádzio França

Antes da amada e igualmente odiado axé music, havia o samba-reggae. Uma manifestação da música de rua baiana que fundia ritmos nordestinos, caribenhos e africanos com uma pitada pop. É considerado marco zero do gênero o disco “Magia”, de Luiz Caldas, lançado em 1985. O que começou como uma despretensiosa trilha sonora para os carnavais baianos foi estendendo e ultrapassando suas fronteiras, até se incorporar de vez à música popular, gerando estrelas populares, influenciando festas e todo um mercado de consumo sonoro – vestido com seu devido abadá. Lá se vão oficialmente 25 anos, e no meio desse processo estava o jornalista baiano Hagamenon Brito que, num momento de deboche resolveu nomear aquela cena crescente de “axé music”.

A brincadeira acabou por denominar todo um segmento de música nova produzida na Bahia. “Na verdade, o termo axé music foi criado originalmente para designar uma cena musical e não um gênero. Em 1987, quando eu era crítico musical do jornal A Tarde, comecei a usar a expressão de modo pejorativo, brincando com a pretensão de artistas regionais que sonhavam fazer sucesso até no exterior”, conta o jornalista à TRIBUNA DO NORTE, da redação do Correio da Bahia, Salvador. Nem ele esperava que o chiste acabaria por se tornar uma marca. Passadas quase três décadas, o gênero continua ativo mesmo entre os inevitáveis altos e baixos. Micaretas continuam sendo feitas ao redor do Brasil e artistas baianos emplacam músicas nas rádios e televisões, sendo tratados como popstars. Ao VIVER, Hagamenon fala sobre o estado recente do gênero musical que, apesar de não ser seu favorito em particular, ele ajudou a nomear. Com a palavra, o “inventor” do (nome) axé music:

TN - Como anda a saúde recente do axé music? Ainda se produz bastante, como no passado?
Hagamenon Brito - No final dos anos 90 e nos primeiros anos da era 2000, a pirataria fez um grande estrago na cena, mas o axé music já havia exportado um modelo de festas - carnavais/micaretas com blocos pagos - para todo o país e, mesmo não produzindo mais artistas e bandas como antigamente, sobreviveu no showbiz e ainda teve a sorte de gerar uma estrela como Ivete Sangalo. O maior problema atual é a não renovação - artistas como Bell Marques (Chiclete) e Durval Lellys (Asa) são tiozinhos, assim como Daniela Mercury...

Como surgiu o termo que designou o gênero?
Na verdade, o termo axé music foi criado originalmente para designar uma cena musical e não um gênero. Em 1987, quando eu era crítico musical do jornal A Tarde, comecei a usar a expressa de modo pejorativo, brincando com a pretensão de artistas regionais que sonhavam fazer sucesso até no exterior (por isso, o sufixo inglês music associado ao termo axé, que era como nós, roqueiros baianos dos anos 80, chamávamos o visual e o som brega carnavalesco de artistas como Luiz Caldas e Sarajane). Inicialmente rejeitado em Salvador pelos artistas da cena, o termo passou a ser usado também pela mídia do Rio e de São Paulo e aí pegou geral.

Alguns artistas dessa cena se tornaram verdadeiros popstars nacionais, como Ivete e Cláudia Leitte. Eles são suficientes para manter a vida do gênero?
Precisa de um número maior de gente nova, como acontece no samba e no sertanejo pop.

Há algum tipo de sonoridade em alta no axé atual?
A novidade de Salvador hoje não está no axé music, mas no pagode de artistas como Leo Santana (Parangolé) e Márcio Victor (Psirico), que já fazem pagode (ou suingueira, como queira) com influências do hip hop.

Em uma entrevista recente a um site da cidade, Ricardo Chaves se disse desgostoso com a atual cena musical carnavalesca de Salvador. Pelo que você analisa daí, o que mudou? O baiano ainda brinca carnaval e é fiel aos seus artistas?
Ricardo Chaves não faz mais sucesso em Salvador há algum tempo. O Carnaval de Salvador virou uma indústria pop muito poderosa, uma vitrine que só encontra rival no Brasil no Sambódromo, do Rio. Claro que o baiano continua louco por carnaval, mas as coisas mudam mesmo para muitos artistas - e isso tem a ver também com as decisões e rumos que cada um toma.

Ainda há o mercantilismo selvagem dos blocos em Salvador? Eles “comandam” o carnaval, ou a folia se mantém independente disso?
Independentemente de qualquer coisa, o Carnaval que coloca mais de 2, 5 milhões de pessoas nas suas ruas e avenidas: isso diz tudo. Obviamente, acho que diminuiu o espaço para quem não sai em bloco, mas fazer o quê: a maioria gosta. Não sei quanto tempo essa satisfação vai durar, por que o Carnaval de hoje não é mesmo dos anos 80/90... E assim caminha a humanidade.

Quais os atuais artistas de destaque no axé? Há?
Os mesmos dos últimos anos: Chiclete, Asa, Carlinhos Brown (o maior compositor da cena), Daniela Mercury, Cláudia Leitte, Margareth Menezes, Saulo (Eva) e Manno Góes (Jammil).
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Fonte: Jornal Tribuna do Norte. Seção "Viver". 30/01/2010.

8 de fev. de 2010

Carnaval 2010 - De Volta às Raízes

O Carnaval de 2010 na Bahia vai ter um gosto "vintage", com Moraes Moreira comandando trios elétricos e blocos afro tradicionais, como Ilê Aiyê e Filhos de Gandhy
Por Pedro Alexandre Sanches


Ventos de democratização têm percorrido os circuitos carnavalescos de Salvador. A Secretaria de Cultura da Bahia (Secult) mantém há três anos uma política de incentivo financeiro e de capacitação dirigida a blocos afro mais tradicionais e também a afoxés. Ainda este ano, 125 blocos devem ser contemplados com valores entre R$ 15 mil e R$ 100 mil, para desfilar no Carnaval, por vezes intrometidos entre os cortejos arrasta-quarteirão de artistas da outrora hegemônica axé music, que completa 25 anos.

O projeto se chama Ouro Negro, em referência direta às origens africanas de todo o fluxo musical da Bahia. "Privilegiamos blocos tradicionais que não conseguem ter condições de mercado. O Olodum hoje não vende com facilidade, no penúltimo ano quase não saiu. É difícil, o público é mais voltado para o trio elétrico do que para os blocos", descreve Edivaldo Bolagi, músico e diretor musical da Secult. Só para ter uma ideia, entre os 117 contemplados pelo Ouro Negro em 2009 estão, simplesmente, os mais importantes blocos da Bahia: Ilê Aiyê, Filhos de Gandhy, Cortejo Afro e Olodum, entre outros.

Nesse novo direcionamento, o atual governo vetou o acesso dos grupos comerciais (ou seja, de axé) aos recursos públicos. "Houve gritaria no início, mas, como é uma política de democratização e descentralização, eles (do axé) gritam, e, logo depois, não têm mais argumento", diz Bolagi.

Outro braço de tal política é o projeto Carnaval Pipoca, que deverá contemplar dez projetos de encontro entre, no mínimo, três artistas ou bandas, conduzidos por produtores locais independentes. No ano passado, o Carnaval Pipoca levou artistas como Lucas Santtana, Otto, Lobão e Cidadão Instigado para o alto dos trios elétricos.

A Secult faz ainda uma seleção, por curadoria própria, de dez projetos a serem inseridos em horários nobres dos desfiles - o tema de 2010 será o aniversário de 60 anos de invenção do trio elétrico, criado por Dodô e Osmar. Está prevista, aqui, a presença de trios liderados por Moraes Moreira, pelos Novos Baianos reunidos sem Moraes e a histórica Caetanave, agora conduzida por Carlinhos Brown. A essa galeria deve ser reintegrada a axé music, com um trio puxado por Luiz Caldas, um dos precursores dos anos 80 que Bolagi classifica como "axé do axé". "São os artistas de axé ligados ao candomblé, como Gerônimo, Tatau, Margareth Menezes, Os Tincoãs", ele lista, citando mais nomes de artistas hoje alijados do mercadão.

Dentro do tema resgate, cabe uma reflexão sobre o samba. Diz a máxima que ele nasceu na Bahia e, só depois, viajou "exportado" ao Rio de Janeiro, no saber de migrantes como as "tias" pioneiras - à frente delas Ciata, dona do reduto de nascimento de Pelo Telefone e de outros dos primeiros sambas de que se tem notícia, no início do século passado. Ícones mais ou menos secretos, como Batatinha, Riachão, Panela e Dona Edith do Prato, deram prosseguimento à linhagem. Porém, mais recentemente, a relação da Bahia com o samba ficou ambígua, quando gêneros como o samba duro e o samba de roda do Recôncavo Baiano foram englobados pelo pop comercial de grupos de axé, como É o Tchan! e Harmonia do Samba.

Porém, o samba - que sempre agoniza, mas nunca morre - resistiu e resiste às miscigenações comerciais, como evidencia o documentário Cantador de Chula, que focaliza mestres da dança ancestral mantida viva nos folguedos baianos, entre eles o sambista-capoeirista Mestre Ananias, radicado há décadas em São Paulo e parceiro de entusiastas paulistas do samba dito de raiz, como Plínio Marcos e Solano Trindade.

O poder público tenta manter o samba vivo dentro do Carnaval baiano, reservando parte do projeto Carnaval Ouro Negro a blocos como Alvorada, Alerta Geral, Amor e Paixão (do baiano Nelson Rufino, autor de Todo Menino É um Rei, clássico na voz carioca de Roberto Ribeiro), Pagode Total, Proibido Proibir e Que Felicidade. Nesse contexto, inserem-se sambistas de fora, como Zeca Pagodinho, e nomes a um tempo mantenedores e renovadores das tradições do samba na Bahia, como Roque Ferreira, Roberto Mendes, Raimundo Sodré e J. Velloso.Estrela dessa última turma é Mariene de Castro, intérprete de fibra que grava Ferreira, Mendes, Gerônimo e Caetano Veloso num registro que tributa a distância a memória da grande "falsa baiana" Clara Nunes. A Bahia está viva ainda, proclamam em coro os orixás.
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Fonte: Revista Bravo! Seção Brasil Cultura. Janeiro/2010.

7 de fev. de 2010

IstoÉ: 25 Anos de Axé Music

O ritmo baiano criou carreiras milionárias e alimenta uma indústria cujo ápice é o Carnaval
Por: Natália Rangel

Atualmente, em Salvador, quando surge um empreendimento novo num bairro nobre da cidade cujo dono ninguém conhece, a primeira ideia que ocorre às pessoas da vizinhança é que o proprietário seja “algum artista da axé music”. Isso não acontece por acaso. Afinal, desde a explosão desse gênero musical no Carnaval de Salvador em 1985 os artistas baianos se profissionalizaram, criaram bem- sucedidas produtoras e constituem hoje um dos nichos empresariais que mais faturam no Estado. Apenas nas festas de momo a cidade movimenta cerca de R$ 1,2 bilhão, segundo a Empresa de Turismo de Salvador (Emtursa) – isso envolve 230 grupos carnavalescos, entre trios e blocos, e cerca de 11 mil artistas. E o negócio não se restringe mais ao período carnavalesco. As micaretas (folia fora de época) se espalharam por diversas capitais do Brasil e mantêm a lucrativa festa com repertório para durar o ano todo. É curioso que um dos estilos que mais colecionaram detratores termine por ser um dos únicos, depois do rock e do romantismo de Roberto Carlos, a reunir multidões em estádios de futebol. Ivete Sangalo, por exemplo, cujo DVD gravado no show no Maracanã já ultrapassou a casa das 800 mil cópias, conseguiu atrair recentemente 55 mil pessoas no Festival de Verão de Salvador. Como as grandes estrelas do gênero, ela é tratada atualmente como uma cantora pop – mas o axé está no sangue. Mesmo essa distinção já não faz mais sentido. A crítica ao ritmo, de resto bem antiga, se dava muito pelo fato de a música visar apenas à diversão. Mas ele também possui raízes políticas, como explica o professor Milton Moura, da Universidade Federal da Bahia:

"A ascensão do carlismo (referência à administração de Antônio Carlos Magalhães) esteve muito identificada com a euforia do axé. O estilo deu respaldo ao governo de ACM e vice-versa." Musicalmente, no entanto, o axé tem origem numa rica fusão de ritmos como o forró, o frevo pernambucano, o rock dos anos 1980 e a música afrobaiana e caribenha. Ou como definiu a cantora Margareth Menezes, uma das pioneiras do estilo: o axé é um afropopbrasileiro. Dessa grande diversidade sonora nasceria, em um primeiro momento, um novo "balanço": o samba reggae de Neguinho do Samba e o seu grupo Olodum, que inspirou artistas internacionais como Paul Simon, que veio conferir in loco a sua percussão rítmica. Desse caldeirão de influências surgia o repertório anual do verão, com hits incendiários acompanhados de coreografia para embalar os foliões que seguiam os trios elétricos. Do alto de sua experiência, Ivete faz uma análise equilibrada: "Do ponto de vista musical, o axé é essencialmente um ritmo para o entretenimento. Promove encontros, festa, diversão. Do ponto de vista cultural, é de uma autoestima invejável. Tudo é retratado de forma feliz e ufanista, mantendo acesos os costumes da Bahia." E também a sua usina de criação. Dona de uma agenda de dez shows por mês com cachê estimado em R$ 400 mil, Ivete está à frente de uma produtora campeã, a Caco de Telha, hoje uma holding que abriga diversos artistas. Projetada como vocalista da Banda Eva em meados dos anos 1990, ela atualmente tem um repertório bem afinado com o pop internacional – tanto é assim que abre o show da diva Beyoncé em Salvador no dia 10 de fevereiro. "Faço música. Não me ato em nós de conceitos ou prateleiras", diz Ivete. Livrar-se desse rótulo a que ela se refere não é fácil. Que sirva de exemplo a colega Daniela Mercury, cujo título de rainha do axé não se descolou dela desde a década de 1990, quando lançou o hit "O Canto da Cidade".

Hoje, a cantora, que se alterna entre Salvador, São Paulo, Londres e Paris, mantém uma agitada carreira internacional– em março ela inicia a turnê europeia de lançamento de seu CD Canibália. Daniela reconhece que o axé está mais vivo do que nunca: "É verão, positivo, vibrante. E foi uma escola de sobrevivência dentro da música brasileira." Sobrevivência que se traduz numa crescente profissionalização dos artistas baianos. À frente da produtora Ciel, administrada por Claudio Inácio e por seu marido, Marcio Pedreira, a cantora Claudia Leitte, surgida na banda Babado Novo, na década passada, ilustra outro momento importante dessa indústria que se mantém em pé em plena crise fonográfica. A cantora não faz um show por menos de R$ 350 mil. São 14 apresentações por mês e 168 por ano, com um público que varia de 20 mil a 45 mil pessoas. Claudia reconhece a vinculação do ritmo ao Carnaval da Bahia e lembra o impacto da música "Fricote", considerada uma das precursoras do estilo, lançada por Luiz Caldas em 1985. Tinha na época cinco anos de idade. "É música que não envelhece e não deixa ninguém parado", diz ela. A outra qualidade do axé é evoluir e se transformar. Milton Moura assinala que as primeiras canções funcionavam como celebração de uma identidade cultural e que, com o tempo, o estilo foi se reconfigurando até incorporar um apelo internacional maior. Novas bandas não param de surgir com seus hits e coreografias, exatamente como fez Luiz Caldas há 25 anos. Para esse Carnaval, o grupo Parangolé, que tem forte influência do pagode baiano, já emplacou a sua música de trabalho: “Rebolation”. Ela vem acompanhada de uma dancinha sensual que já promete ser a coreografia do momento. Com esse nome, até gringo entende.
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Fonte: IstoÉ Cultura. Ed. nº 2100. 05/02/2010.