8 de fev. de 2010

Carnaval 2010 - De Volta às Raízes

O Carnaval de 2010 na Bahia vai ter um gosto "vintage", com Moraes Moreira comandando trios elétricos e blocos afro tradicionais, como Ilê Aiyê e Filhos de Gandhy
Por Pedro Alexandre Sanches


Ventos de democratização têm percorrido os circuitos carnavalescos de Salvador. A Secretaria de Cultura da Bahia (Secult) mantém há três anos uma política de incentivo financeiro e de capacitação dirigida a blocos afro mais tradicionais e também a afoxés. Ainda este ano, 125 blocos devem ser contemplados com valores entre R$ 15 mil e R$ 100 mil, para desfilar no Carnaval, por vezes intrometidos entre os cortejos arrasta-quarteirão de artistas da outrora hegemônica axé music, que completa 25 anos.

O projeto se chama Ouro Negro, em referência direta às origens africanas de todo o fluxo musical da Bahia. "Privilegiamos blocos tradicionais que não conseguem ter condições de mercado. O Olodum hoje não vende com facilidade, no penúltimo ano quase não saiu. É difícil, o público é mais voltado para o trio elétrico do que para os blocos", descreve Edivaldo Bolagi, músico e diretor musical da Secult. Só para ter uma ideia, entre os 117 contemplados pelo Ouro Negro em 2009 estão, simplesmente, os mais importantes blocos da Bahia: Ilê Aiyê, Filhos de Gandhy, Cortejo Afro e Olodum, entre outros.

Nesse novo direcionamento, o atual governo vetou o acesso dos grupos comerciais (ou seja, de axé) aos recursos públicos. "Houve gritaria no início, mas, como é uma política de democratização e descentralização, eles (do axé) gritam, e, logo depois, não têm mais argumento", diz Bolagi.

Outro braço de tal política é o projeto Carnaval Pipoca, que deverá contemplar dez projetos de encontro entre, no mínimo, três artistas ou bandas, conduzidos por produtores locais independentes. No ano passado, o Carnaval Pipoca levou artistas como Lucas Santtana, Otto, Lobão e Cidadão Instigado para o alto dos trios elétricos.

A Secult faz ainda uma seleção, por curadoria própria, de dez projetos a serem inseridos em horários nobres dos desfiles - o tema de 2010 será o aniversário de 60 anos de invenção do trio elétrico, criado por Dodô e Osmar. Está prevista, aqui, a presença de trios liderados por Moraes Moreira, pelos Novos Baianos reunidos sem Moraes e a histórica Caetanave, agora conduzida por Carlinhos Brown. A essa galeria deve ser reintegrada a axé music, com um trio puxado por Luiz Caldas, um dos precursores dos anos 80 que Bolagi classifica como "axé do axé". "São os artistas de axé ligados ao candomblé, como Gerônimo, Tatau, Margareth Menezes, Os Tincoãs", ele lista, citando mais nomes de artistas hoje alijados do mercadão.

Dentro do tema resgate, cabe uma reflexão sobre o samba. Diz a máxima que ele nasceu na Bahia e, só depois, viajou "exportado" ao Rio de Janeiro, no saber de migrantes como as "tias" pioneiras - à frente delas Ciata, dona do reduto de nascimento de Pelo Telefone e de outros dos primeiros sambas de que se tem notícia, no início do século passado. Ícones mais ou menos secretos, como Batatinha, Riachão, Panela e Dona Edith do Prato, deram prosseguimento à linhagem. Porém, mais recentemente, a relação da Bahia com o samba ficou ambígua, quando gêneros como o samba duro e o samba de roda do Recôncavo Baiano foram englobados pelo pop comercial de grupos de axé, como É o Tchan! e Harmonia do Samba.

Porém, o samba - que sempre agoniza, mas nunca morre - resistiu e resiste às miscigenações comerciais, como evidencia o documentário Cantador de Chula, que focaliza mestres da dança ancestral mantida viva nos folguedos baianos, entre eles o sambista-capoeirista Mestre Ananias, radicado há décadas em São Paulo e parceiro de entusiastas paulistas do samba dito de raiz, como Plínio Marcos e Solano Trindade.

O poder público tenta manter o samba vivo dentro do Carnaval baiano, reservando parte do projeto Carnaval Ouro Negro a blocos como Alvorada, Alerta Geral, Amor e Paixão (do baiano Nelson Rufino, autor de Todo Menino É um Rei, clássico na voz carioca de Roberto Ribeiro), Pagode Total, Proibido Proibir e Que Felicidade. Nesse contexto, inserem-se sambistas de fora, como Zeca Pagodinho, e nomes a um tempo mantenedores e renovadores das tradições do samba na Bahia, como Roque Ferreira, Roberto Mendes, Raimundo Sodré e J. Velloso.Estrela dessa última turma é Mariene de Castro, intérprete de fibra que grava Ferreira, Mendes, Gerônimo e Caetano Veloso num registro que tributa a distância a memória da grande "falsa baiana" Clara Nunes. A Bahia está viva ainda, proclamam em coro os orixás.
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Fonte: Revista Bravo! Seção Brasil Cultura. Janeiro/2010.

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