Em 1979, Ola Håkansson, ex-vocalista do grupo Ola and the Janglers e publicitário da Sonet Records, juntou-se a Tim Norell e Ulf Wahlberg para escreverem algumas canções, que mandaram para o Melodifestivalen, um popular festival de canções sueco. Eles não venceram, mas resolveram continuar trabalhando juntos e mudaram o nome de Ola+3 para Secret Service. Ao lado de Ola Håkansson (vocal), Tim Norell e Ulf Wahlberg (teclados), a formação original incluiu Tony Lindberg (guitarra), Leif Paulsen (baixo) e Leif Johansson (bateria).
Norell escreveu com Håkansson a maioria das canções da banda, no entanto não apareceu com eles no palco ou nas capas dos discos. O primeiro compacto do Secret Service, "Oh Susie" se tornou um sucesso na Suécia e vários outros países da Europa e na América Latina. O álbum de mesmo título incluiu "Ten O'Clock Postman", ganhou disco de ouro na Escandinávia. Outros sucessos se seguiram, como "Flash in the Night" (1982) e "Cry Softly", alcançando as primeiras posições em toda a Europa continental. Em meados dos anos 80 Norell e Håkansson começaram a escrever e produzir canções para outros artistas. O dueto de Ola Håkansson com a ex-ABBA Agnetha Fältskog, "The Way You Are", ganhou o compacto de ouro na Suécia.
Em 1987, Håkansson, Norell e Wahlberg lançaram Aux Deux Magots, seu último disco como Secret Service. Os demais membros deixaram a banda e foram substituídos pelo multi-instrumentista Anders Hansson e o baixista Mats A. Lindberg. Hansson se tornaria parceiro de Håkansson e Norell no que seria conhecido como O Megatrio, um equivalente sueco do Stock-Aitken-Waterman. Em 1992, Håkansson e seus sócios estabeleceram a Stockholm Records como uma joint-venture da PolyGram. Eles produziram bandas como Army of Lovers e The Cardigans, entre outros.
Seu nome era Severino Dias de Oliveira, mas tornou-se conhecido artisticamente como Sivuca. Multi-instrumentista nascido em Itabaiana, estado da Paraíba, no dia 26 de maio de 1930, onde aprendeu a tocar sanfona ainda na infância e fazer apresentações em vários cantos da cidade e no interior.
Em 1945 mudou-se para Recife, Pernambuco, onde fez uma apresentação na Rádio Guararapes e já começava a despertar atenção do público local. Trabalhou por três anos na Rádio Clube de Pernambuco e gravou seu primeiro disco em 78 RPM com as músicas "Carioquinha do Flamengo" (Waldir Azevedo, Bonfiglio de Oliveira) e "Tico-Tico no Fubá" (Zequinha de Abreu). Seu repertório mesclava músicas regionais como choro, frevo, forró, dentre outros.
Em 1947 compôs a melodia da música "João e Maria" que, 30 anos mais tarde, ganharia letra do compositor e cantor Chico Buarque e interpretação de Nara Leão. Em 1955 mudou-se para o Rio de Janeiro e passou a excursionar pelo Brasil e pelo exterior, gravando novos trabalhos. Morou na França e nos Estados Unidos onde ficou até 1976. Junto com Rosinha de Valença gravou um disco em 1977.
No ano seguinte compôs a música "Feira de Mangaio", parceria dele com sua esposa cantora Glória Gadelha e regravada por Clara Nunes com grande sucesso no disco Esperança. Sivuca incluiu a música em seu disco Cabelo de Milho, de 1980. Ainda gravou discos no Brasil e no exterior nos anos que se sucederam.
Em 1999, recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal da Paraíba. Em 2004 foi diagnosticado com câncer na laringe e passou dois anos lutando contra a doença até vir a falecer no dia 14 de dezembro de 2006 aos 76 anos de idade na cidade de João Pessoa, capital paraibana. Nesse mesmo ano, ainda em vida, recebeu o Prêmio Tim na categoria de melhor solista com o cd Sivuca Sinfônico, com participação da Orquestra Sinfônica de Recife, além de lançar o dvd Sivuca – O Poeta do Som.
Com mais de 40 discos gravados, Sivuca deixou um grande legado na música brasileira com suas composições além de suas habilidades como instrumentista, arranjador e maestro.
O nome completo da cantora Beth Carvalho é Elizabeth Santos Leal de Carvalho. ela nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 5 de maio de 1946. Ela é filha de João Francisco Leal de Carvalho e Maria Nair Santos Leal de Carvalho. Seu contato com a música começou quando ela era ainda menininha, através de toda sua família. Seu pai era advogado, mas amigo de muitos músicos e cantores, como Sílvio Caldas, Elizeth Cardoso. Sua avó Ressú tocava bandolim e violino e sua mãe tocava piano clássico. Beth estudou balé e violão e formou-se como professora de música. Seu pai a levava com regularidade aos ensaios das escolas de samba e rodas de samba e a menina se encantava. Sua inclinação inicial era pela Bossa Nova.
Por ter tendências esquerdistas, o pai de Beth foi cassado durante o golpe militar. A situação financeira da família ficou difícil e então ela foi ser professora de violão para uma turma de 40 alunos. Com a orientação política que teve do pai, Beth sempre foi uma cantora engajada em movimentos políticos e sociais. Ao lado do cantor Lobão, foi ela quem lutou para conseguir a numeração dos discos, o que não acontecia até então, em prejuízo para os artistas.
Em 1965, Beth Carvalho gravou seu primeiro CD, com a música "Por Quem Morreu de Amor". Em 1966, envolveu-se com o samba e participou do show: A Hora e a Vez do Samba, ao lado de Nelson Sargento e Noca da Portela. Vieram os festivais e Beth participou de todos. Esteve no Festival Internacional da Canção, no Festival Universitário, no Brasil Canta no Rio, no FIC de 1968, quando ganhou o 3º lugar, com a música: "Andança". Ficou então conhecida em todo o país. No ano seguinte lançou seu 1º LP, com o mesmo título.
A partir de 1973, passou a lançar um disco por ano e se tornou sucesso de vendas. Lançou: "1.800 Colinas", "Saco de Feijão", "Olho Por Olho", "Coisinha do Pai", "Vou Festejar" e muitas outras.
Apaixonada por rodas de samba e de pagode, Beth foi se tornando conhecida por incentivar colegas, homenagear os antigos e revelar os novos. Em 1972, buscou Nelson Cavaquinho, para a gravação de "Folhas Secas". Em 1975, buscou Cartola, para lançar: "As Rosas Não Falam". Ao mesmo tempo revelou artistas, que se tornaram importantes, como o grupo Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Luiz Carlos da Vila, Sombra, Sombrinha, Arlindo Cruz, Yamandu Costa e muitos outros. Passou a ser chamada então de "MADRINHA DO SAMBA" e é assim que todos esses artistas a chamam. Em seus shows introduziu instrumentos como o banjo, com afinação de cavaquinho, o tan-tan, o repique de mão. Em todo o Brasil ela é chamada de "MADRINHA DO PAGODE".
Em 1979, Beth Carvalho casou-se com o craque de futebol Edson de Souza Barbosa. Em 1981, nasceu sua filha Luana. Hoje Luana é cantora e atriz.
Com mais de 40 anos de carreira, Beth Carvalho lançou 31 discos, 2 DVDs e se apresentou em inúmeros cidades do mundo. Cantou em Angola, Atenas, Berlim, Boston, Buenos Aires, Espinho, Frankfurt, Munique, Monteeux, Lobito, Luanda, Madri, Miami, Montevideu, New Jersey, Nova Iorque, Paris, Punta del Este. São Francisco, Soweto, Varadero, Zurique, Milão, Padova, Toulouse, Viena, Lisboa, além de ter estado em todas as capitais brasileiras e muitas cidades de seu interior. No Brasil seus espetáculos são sempre muito concorridos, e o mesmo acontece em todas as cidades do mundo. E mesmo no Japão, onde nunca foi, seus discos são muito vendidos.
Beth Carvalho tem 6 Prêmios Sharp, 17 Discos de Ouro, 9 de Platina, 1 DVD de Platina, centenas de troféus e premiações diversas. Seu último trabalho foi lançado em 2011 com o cd Nosso Samba Tá na Rua. Nota do blog (atualização em 06/05/2019):A cantora e compositora Beth Carvalho morreu no dia 30/04/2019, aos 72 anos, no Rio de Janeiro. A madrinha do samba estava internada no Hospital Pró-Cardíaco, no Botafogo, Rio de Janeiro, desde o dia 8 de janeiro. Em nota, o hospital informou que a causa foi infecção generalizada. ----------------------------------------------------------------------- Fonte:Museu da TV (com adaptações)
Beth Carvalho e Zeca Pagodinho - Camarão Que Dorme a Onda Leva
Continuação da entrevista com Beth Carvalho feita em 2010 para o site Buteco do Edu. Confiram!
EG: Olha, Beth, deixa eu contar uma coisa. Eu, quando te conheci, há uns 15 anos, eu era até chato seguindo você pra tudo o que é canto…
BC: (rindo)
EG: … e via você sempre sacando alguma coisa da bolsa, um gravador, uma câmera, registrando tudo, tudo! Pesquisadora mesmo!
LAS: Chega a ser curioso, Beth, porque o cantor ou a cantora podia ter identificação com uma escola, só que você tem essa identificação com a Mangueira mas é impressionante como gravava tudo, da Velha Guarda da Portela, por exemplo…
BC: Claro! A que mais gravou! Tenho uma placa, inclusive, que a Surica fez falando sobre isso… Só na avenida é que tem a disputa! Não tem essa história só de Mangueira. Eu gravei Mangueira, Portela, Salgueiro… Meu sucesso popularzão mesmo foi do Gracia do Salgueiro! Eu quero saber da música! É boa? Eu gostei? Eu gravo, depois vou saber de onde é. Claro que hoje eu tenho critério… Tem muito samba falando da Mangueira… mas é original, é bom? Vou gravar. Samba de amor, pra variar os temas, amor, Mangueira, Cacique, política, partido-alto…
LAS: Você falou de política… você lembra de seu primeiro contato maior com o Brizola?
BC: Ah, na volta dele. Pouco tempo depois. Porque quando ele voltou, minha música, do Noca, era o hino da campanha do PMDB! Olha a minha situação! Eu com Brizola no coração sem poder virar Brizola ali! Mas acabou sendo bom… Depois o próprio Miro Teixeira reconheceu a vitória do Brizola!
EG: E seu primeiro envolvimento com política?
BC: Lula, Sindicato dos Metalúrgicos. Mas isso política nacional, né? Política mesmo, sempre! Sempre discuti contrato, fui da Sombrás, sempre batalhei pela numeração dos discos, eu, Chico, Gonzaguinha… Pena que essa vitória veio num momento em que o disco perdeu força… Mas foi importante. E acho que valeu, porque foi o primeiro país no mundo a ter disco numerado. Agora… luta por contratos, reuniões com a classe artística, sempre, sempre. A gente tinha uma luta, né?
LAS: E o Lula?
BC: Ele era do sindicato dos metalúrgicos e eu já era um sucesso forte em 1978, já tinha o “Vou Festejar”, do Cacique – que é uma história à parte – e então eu fui cantar lá com o Fundo de Quintal. Tudo de graça! E quando o Lula fez a primeira pra presidência, em 89, apareciam essas imagens. Não tinha PT, não tinha nem PT, ainda! Foi em 78. O Lula foi a grande figura que apareceu, né?
EG: Beth, uma das coisas que é sabida a seu respeito, e não é à toa a história da madrinha, que tem a ver com sua postura de ir aos lugares, de gravar tudo…
BC: … de valorizar nas entrevistas, de colocá-los nos meus vídeos, nos meus discos… Eu sempre dividi meu pão! Eu sempre dividi! Podia ficar sozinha, mas não. Botava a Velha Guarda, mostrava o Argemiro, o Casquinha… sempre…
EG: E o Cacique, por que é uma história à parte?
BC: À parte, eu digo, porque eu já era um sucesso muito forte. Meus discos estavam no auge de vendagem, eu era uma grande vendedora de disco, a Clara também, a Alcione também, o Martinho também, a gente vendia essa quantidade louca, já saía com disco de ouro, depois disco de platina… hoje é um deboche, com 25 mil já ganha… Nós éramos o trio ABC, Alcione, Beth e Clara! Então… aí o Alcir Portela, do Vasco, que era meu companheiro de samba… (pensando)… Eu tinha uma turma, nessa época, que era do Clube do Samba, eu, João Nogueira, Paulo Cesar Pinheiro, Nelson Cavaquinho… todo dia! Nós éramos o quarteto da morte! Saíamos todo dia! Chegávamos no Sereia de Ipanema, por exemplo, os caras queriam morrer, sabiam que a gente só ia sair de lá às oito da manhã! Aí o Alcir, que era um cara que saía comigo, a gente ia a uns sambas no subúrbio, e ele era muito amigo do João Nogueira também, em 77, me disse, “vou te levar num lugar que você vai gostar”. E eu falei, “vamos nessa, onde é?”, e ele disse, “No Cacique de Ramos”. Meu coração já bateu por outra razão! Porque quando eu estava naquele negócio de carnaval, que eu sempre tive, o Cacique e o Bafo eram os dois blocos mais fortes, sendo que eu freqüentava o Bafo mas eu achava o Cacique mais interessante no desfile, porque tinha um negócio de tacape, tinha uma roupa de índio e tinha aquele samba (cantando) “Nesse carnaval não quero mais saber, ê, ê, de brincar com você”. Eu gostava muito desse samba e de um samba da Chiquita, irmã do Sereno, ela que já morreu, uma grande mulher, uma mulher que cantava um samba diferente de todo mundo, eu tenho a Chiquita filmada…
EG: Tem?
BC: Tenho, mas tenho que limpar essas fitas todas… A Chiquita tinha uma música, e eu tenho um caderno com a letra da Chiquita (cantando) “Querem me derrubar / Aí meu Deus, o que será?/ Uso arco e flecha / Mas em ninguém vou atirar / Entrego à proteção divina/ Só ela é que pode me parar/ É verdade sim o que ouço dizer / É verdade sim o que ouço falar / Visto, um saiote de penas / Uso também um lindo cocar/ Meu nome é Cacique de Ramos / Sou vacinada e batizada o que é que há!”. Eu achava demais, e era briga mesmo, esse “querem me derrubar” era pro Bafo! Mas aí eu cheguei no Cacique, e conheci a Chiquita, e vi uma rapaziada, o maior suingue… suingue pra mim é fundamental… Fazendo um som diferente no samba, sem perder a raiz do samba, cantando uns sambas bonitos, eu pensei, “o quê é isso, cara?”. E instrumentos nunca vistos antes. Repique de mão que o Ubiranyr criou, Sereno com aquele tantã daquela maneira tocando, o Neoci também, e o banjo com o Almir Guineto. Banjo era usado, mas de outro jeito, na época do Pixinguinha… O banjo é um instrumento africano. Sabe o que é fascinada? Eu fiquei fascinada! Eu encontrei o meu lar, meu lugar! Era a segunda vez que eles se reuniam… E por que o Alcir me chamou? Porque sabia que eu era famosa e tal… mas eu não pensei nisso, eu fui pra me divertir, pura e simplesmente! E fiquei me divertindo um ano! Eu não pensei em nada disso, sabe? Com o tempo é que a coisa foi amadurecendo, a coisa foi ficando forte em mim… até que o botei no disco, foi em 78, no disco “Pé no Chão”. É o registro, com eles, do novo som do samba. Gostem ou não, é o novo som do samba. Com muito suingue. E com muita negritude! O samba tava ficando meio esbranquiçado, entendeu? A bossa-nova fez muito isso, ficou só o tamborim… E eles vieram com batuque de mão, de tribo, tribal (batucando), repique de mão, tantã, o banjo era mais percussivo do que qualquer outra coisa… Eram os caras do Cacique de Ramos, entendeu? O Almir era do Salgueiro mas tinha uma relação lá… O Cacique em baixa, o bloco decadente… e eles com vontade de cantar os sambas deles que eles não tinham onde cantar, sabe? Porque as escolas de samba foram perdendo sua função… que era a de mostrar os sambas dos caras, pô! Os caras cantavam, então, seus sambas. E o Cacique de Ramos, eu chamo de Sierra Maestra do Pagode! O pagode é uma palavra que eu adoro, infelizmente deturpada, não fui eu que criei, o Paulinho da Viola já cantava “domingo, lá na casa do Vavá / Teve um tremendo pagode que você não pode imaginar”… Pagode é uma palavra simpática e virou um tormento depois dessas deturpações! Mas pagode é a forma íntima do sambista chamar o samba, pagode é a festa, tanto que existe pagode no nordeste também, no forró. Olha… pra vocês terem uma idéia, eu pensei em mudar pra Ramos! (rindo) Eu só vinha em casa pra dormir! E o que é que tinha no Cacique? De tarde tinha futebol de salão, por isso o Alcir era ligado, o Neoci, muito amigo do Edson, que foi meu marido depois, eles se conheceram jogando no juvenil do Bonsucesso, Paulo Cesar Caju, o Jairzinho…
LAS: O Alcir chegou a montar uma comissão de frente na Imperatriz só com esse pessoal do futebol…
BC: Exatamente! Era a turma que freqüentava o Cacique de Ramos! Então era uma delícia… Não tinha nada, mas tinha tudo! Digo nada, assim… não tinha um petisco, não tinha um guaraná, não tinha uma água, só tinha cerveja, eu que não gosto de cerveja, eu tinha que levar tudo… A mesa que eles usavam era a coisa mais tosca (rindo)… tinha que ter guardado aquela mesa, a mesa que eles usavam, é histórica! Cheia de farpas, os copos caíam! (rindo muito) Mesa velha mesmo! E era um paraíso mesmo… Eu ia pra lá e ficava tão feliz… sabe? (visivelmente emocionada) Ficava debaixo daquela tamarineira que foi abençoada pela mãe do Bira, que era mãe-de-santo, feita pela Mãe Menininha do Gantois, tinha um fundamento ali… Eu sei que quando eu resolvi botar isso no estúdio, eu cheguei pro Rildo, que era meu produtor na época, e disse “Rildo, eu conheci uma turma e eu quero gravar com esses caras”. O Rildo ainda disse, “olha, Beth, isso é muito bom ao vivo, aí chega no estúdio e não dá a mesma coisa…”. E eu disse, “Eu garanto!”. Eu tinha certeza absoluta! Tem maior precisão maior que o Ubiranyr naquele repique de mão? Não tem! Aí o Rildo foi lá, e não contente com isso, fizemos um bate-bola, que depois virou moda nas gravadoras! A gente, antes de gravar pra fazer, fazia o bate-bola. Cerca de 40 músicas, todas com a harmonia escrita, e a rapaziada metia a mão, entendeu? Aí… (emocionada)… a verdade… a verdade… Eu tava fazendo aquilo com um conhecimento de causa tão grande… que não podia dar errado… Eu não imaginava que fosse dar o que deu não, entendeu?, mas não podia dar errado… Ali estava todo muito com muita gana! Eles não tinham espaço! E eles tinham paixão por aquilo! Era mistura de bloco, com a composição, com a novidade, tudo junto, e eu dando força, moral… aí arrebentou o “Vou Festejar”, o disco todo, né? Várias faixas daquele disco…
EG: Tem um clipe gravado lá, belíssimo…
BC: É, então… Eu fiz tudo lá! A capa lá, a contracapa é lá, o encarte é lá e eu dediquei ao Cartola, esse disco, e fiquei ajoelhada aos pés de São Sebastião do Rio de Janeiro, que tem um altar lá no Cacique. Totalmente entregue! Eu não disse que eu quis morar em Ramos! (rindo)
LAS: Imagina, morar na Uranos!
BC: Ah, Simas, eu sou muito apaixonada…
EG: Beth… fala um pouco do Cartola…
BC: O Cartola teve, digamos assim, três lançamentos… Quando começou, fazendo música com o Francisco Alves, depois o ostracismo, quando o Sérgio Porto encontrou o Cartola lavando carro, depois ele teve um boom, depois veio a Jovem Guarda, foi ruim pro samba, e depois ele só foi voltar mesmo depois que eu gravei “As Rosas não Falam”… Foi quando ele pode ter uma carreira de discos, a RCA contratou ele…
LAS: Verdade…
BC: E quando eu gravei o “Folhas Secas”, em 72, a RCA contratou o Nelson, e o Nelson pode ter seus discos na RCA, que era uma grande gravadora! O Nelson já tinha um disco de depoimentos, ele cantava, um disco maravilhoso… Mas disco dele cantando, tocando, foi na RCA…
LAS: Beth, eu acho que a gente tem cantoras que colocam a obra a serviço delas, sabe? Você, não, você se coloca, na sua trajetória, a serviço da obra do compositor. E esse, pra mim, é o mérito maior de uma cantora. Você entender o que o compositor está querendo, o que é a obra está querendo, e não colocar a obra a seu serviço…
BC: Puxa… muito obrigada… Eu recebo muito isso dos compositores, sabe? Eles todos dizem isso, sabe? “Agora, sim, a minha música tá aí…”. Quando eu gravo…
EG: Quem te chamou de madrinha pela primeira vez?
BC: Ah, isso agora já virou até vulgar, mas não é!
EG: É que os detratores de plantão, que tem, né?, eles usam muito isso…
BC: Ah, tem!
EG: Mas você lembra quem foi que manifestou gratidão, assim, dessa forma carinhosa?
BC: Não lembro… Eu acho que foi o Fundo de Quintal, por causa do “Vou Festejar”… Eu acho… Sabe o que aconteceu? A música estourou de um jeito, do Oiapoque ao Chuí, sabe?, que o bloco, que estava decadente, subir de novo. Saíram 5 mil pessoas nesse ano, no Cacique! Demorou umas 5 horas, o desfile! E eu lá. Aí eu virei madrinha do Cacique de Ramos, do bloco. Aí quando o grupo Fundo de Quintal, que já tinha esse nome e era amador, entrou numa gravadora, eu me tornei madrinha do Fundo de Quintal. Eu ofereci eles pra RCA e a RCA não quis. Aí eu liguei pro Durval Ferreira, tinha saído da RCA, era diretor da RCA, meu amigo dos tempos da bossa-nova, e ele ficou encantado… Eu falei, “Durval, sabe aquele povo que gravou comigo?”, “Claro que eu sei, aquele grupo que tocou contigo?”, “Pois é, eles querem gravar um disco!”, e ele, “Pode mandar!”, era na RGE. Saiu o primeiro disco do Fundo de Quintal, eu escrevi a contracapa, contei a nossa história, a história da tamarineira, um texto grande, hoje no CD só tem a frase final! (rindo) E tem um beijo meu, no final, de batom mesmo, sabe? E o disco estourou, mais na periferia, mas estourou, foi muito bem. Era Jorge Aragão, Almir Guineto, aquela turma. Depois saem os dois e entram Arlindo e Sombrinha. É como eu digo sempre… o grupo Fundo de Quintal é uma filosofia, não é só um grupo de samba. É muito difícil, num grupo, saírem duas pessoas talentosas e depois entrarem mais duas talentosas, né?
LAS: Verdade…
BC: Eles conseguiram isso… Eles seguram a onda até hoje… Enchem quadra, o público quer… Acho que começou assim, desse jeito… Ah, e o primeiro contrato deles eu li e mexi! Aumentei o percentual deles, de 5% pra 7% (rindo) Eu sempre me meti além, sabe? A minha relação com as pessoas sempre é mais profunda, nunca é superficial. Conheço você (dirigindo-se ao Simas) há pouco tempo, mas já é profunda a nossa relação, não é? Não fica no superficial. Então, o Fundo de Quintal eu peguei como uma coisa muito linda, muito diferente… Eles tiveram dificuldade pra gravar, eu chamei eles pra fazer o Pixinguinha, eu já nem podia mais fazer o Pixinguinha, fiz por causa deles, juro por Deus… Eu tinha um namorado, na época, que tinha uma gráfica, e ele tirou a foto dos caras, fez a gráfica do segundo disco, e saiu, já com Sombrinha e Arlindo… E por aí foi… Voaram sozinhos… Eu acho que eles começaram a me chamar de madrinha do Cacique, depois de madrinha do Fundo de Quintal… Depois do Arlindo, do Sombrinha, do Luiz Carlos da Vila…
EG: E do Zeca, né?
BC: Mas é que eu cheguei no Cacique em 67… Em 84 eu tomei conhecimento dele ali, com aquela sacola da Sendas, com um cavaquinho, ele magro, parecia um palito… E pra chegar na roda… É como ele mesmo disse hoje… Tinha a turma que ficava sentada, a diretoria absoluta. Tinha a primeira fila que ficava em volta, o que já era um status, depois outras, depois outras. Um dia eu vi o Zeca versando… Fiquei encantada. O Almir Guineto versava maravilhosamente e ele ali, segurando a onda. Aí ele pediu pra cantar um samba e mandou o “Camarão que Dorme a Onda Leva”… (rindo), o título já é bom demais… Eu falei pra ele, na hora, “Eu vou gravar isso e quero você lá comigo, cantando!”. Coisas da vida. Eu saquei ele algo mais, entendeu? Gravei com ele. Aí ele foi pro estúdio gravar, eu lembro que tinha um microfone de ouro e eu disse “Aí, hein, Zeca, você vai cantar num microfone de ouro!” (rindo muito)
EG: Mas até hoje você recebe muita coisa pra gravar, né? Por exemplo… sei que você está escolhendo repertório pro disco novo… Quantas você recebeu?
BC: Ah, mais de 400 músicas. Mais até, sabe? Agora com esse negócio de e-mail, vem até por e-mail! É mais simples… Antes tinha que fazer uma fitinha… Era sempre mais difícil…
EG: E você ouve tudo?
BC: Ah, ouço! Tudo! Mas a gente de cara já sabe se a coisa é boa, sabe como é, né?
EG: Sei, sei! Tem uma história boa sobre isso de “coisa boa” com você…
BC: Qual?
EG: Quando você ouviu a primeira vez o “Saudades da Guanabara”…
BC: (rindo muito)
EG: Você matou de cara que era uma coisa boa mas…
BC: Isso foi em 84. Matei de cara! Melodia linda…
EG: Conta!
BC: Sabe a Célia, aquela cantora paulista? Ela vinha pro Rio pra fazer show no Arcos da Lapa e ela ficava hospedada lá na minha casa. Um dia ela me pediu pra ensaiar lá em casa. Na hora do ensaio, quem era o violonista? Moacyr Luz. Ensaiou com ela e quando acabou o ensaio ficamos no comes e bebes, e ele mostrou umas coisas dele… Gostei da primeira, gostei da segunda, várias outras, e uma tal de “Saudades da Guanabara”, que eu não gostei da letra… (rindo) Eu falei pra ele… “Você é um compositor!”, porque tem isso, né? É preciso um número “x” pra você saber que o cara é bom. E aí, cinco anos depois, em 89, eu já amiga do Moacyr, freqüentava aquelas reuniões musicais excelentes que ele promovia, Paulinho Pinheiro, Aldir Blanc…
EG: Fátima Guedes…
BC: … Sueli Costa, Claudio Cartier, Itamara Koorax, e eu já tinha fechado meu disco de 89. Mas aí, numa dessas reuniões, eu falei, “Moacyr, você tem um samba que você me mostrou em 84, ´Saudades da Guanabara´, lindo, mas eu não gostei da letra…”, eu já tinha intimidade pra isso, né? Sugeri a ele o Paulinho Pinheiro, o Aldir… Eu sei que ele me ligou, depois, e cantou “Eu sei que o meu peito é uma lona armada…”, putz! Aí virou o nome do disco, a capa foi concebida por causa desse samba, peguei o chapéu do Moacyr, tirei a foto com ele… (rindo)
LAS: Já que estamos em 89… Foi o ano que o Botafogo quebrou o jejum!
EG: Vou sair pra fumar!
BC: (rindo) Campeão! Nesse disco eu canto “Esse é o Botafogo que eu gosto…”.
LAS: A sua família era de botafoguenses?
BC: Toda! Meu pai era botafoguense, minha mãe era botafoguense. Meu pai remou pelo Botafogo quando era jovem, eu freqüentei o Botafogo quando era criança, nos bales infantis, e eu só ouvia falar de Botafogo na minha casa, não tinha como ser outra coisa. E eu tenho muito orgulho de ser Botafogo!
LAS: E tem muita gente do samba que é Botafogo…
BC: Tem, Vasco também… Foi minha paixão de criança também. E em 89 o Elias da Silva me mostrou esse samba, e eu chamei só botafoguense pra gravar, até o Edil Pinheiro gravou o côro, até a Sonja, aquela menina…
EG: A gandula, meu Deus…
BC: Na gravação teve até bolo do Botafogo!
LAS: Tem um vídeo, na internet, tem você, Emilinha Borba, no Maracanã, nesse jogo…
BC: Tem, é? Eu estava com uma bandeirinha de papel, do Botafogo, que a Luana fez pra mim… Supersticiosa como toda botafoguense…
LAS: Posso fazer uma pergunta de ordem sentimental?
BC: Pode, claro!
LAS: Fugindo um pouco disso, mas eu me lembrei, e é interessante… Eu sou filho de pernambucana, minha mãe é pernambucana, meu avô era pernambucano, e eles gostavam muito de você, e a primeira referência que eu tive de você, engraçado isso, não foi com samba…
BC: Foi com o frevo!
LAS: Isso…
BC: Evocação no. 1… e que eu ouvia quando era criança, foi música de carnaval no Rio de Janeiro, e eu achava incrível eu saber essa letra, lindíssima, difícil… Depois eu conheci o Nelson Ferreira, ele me deu os discos dele autografados! (imitando o frevo) Sabe… eu tive uma professora fundamental, cunhada do Villa-Lobos, e eu aprendi teoria musical, fiz parte do canto orfeônico… Cantei em igreja…
EG: Fala pra nós, agora, sobre política… Você se aproximar do Fidel, do Brizola… E fala, se você puder, né?, se isso de alguma maneira prejudicou você em certo momento na sua vida… Já que você é muito ligada às esquerdas…
BC: Mas eu vou morrer assim, não tem jeito, não vou mudar! Agora, por exemplo, temos um Presidente que é o mais próximo daquilo que a gente quer, e que encontrou um país muito estraçalhado pelos governos anteriores, e o Lula está fazendo uma série de coisas que me agradam no sentido da melhoria do povo brasileiro… Ainda falta muito, a gente sabe disso… Mas ele está conseguindo muita coisa. E eu vou sempre estar desse lado, sempre!
EG: E o Fidel, Beth?
BC: Ah, o Fidel… Olha… a gente era apaixonado pela revolução cubana, totalmente a favor… Era uma coisa absurda o domínio americano dentro daquela ilha, prostituindo as meninas de 10, 11 anos, e querendo tomar conta da América Latina, do mundo inteiro. E aí, por influência do meu pai, da minha mãe, a gente torceu muito pra tudo dar certo na revolução… E deu! E deu! Dizer que não deu certo é brincadeira… porque com todo o bloqueio norte-americano a gente consegue ter um país que não tem um analfabeto, e aquela história… e aquela frase linda… todo dia tem uma criança dormindo na rua, nenhuma delas é cubana! E é isso. Isso define tudo. É verdade. Eu fui lá e constatei. Bem depois da revolução. Não tem analfabeto, ninguém sem sapato, ninguém sem dente, não tem criança na rua, e criança na rua é uma coisa que me mata!
EG: Mas como você conheceu o Comandante, Beth!?
(rindo)
BC: Olha… o Comandante sabe de tudo. Sabe quem é quem em cada lugar do mundo. Ele não vai convidar, pra lá, quem é contra a revolução… E ele tá certo, chamar só quem tem a ver com a causa! O que vai fazer lá alguém que é de direita, né? Ficar pichando? E ele me chamou por isso… Em 77… Festival de Varadero, fui com meus músicos…
EG: Antes do Brasil reatar relações diplomáticas com Cuba…
BC: Antes, antes… E aí, a grande Lázara…
LAS: … mulher do Santiago Alvarez, o cineasta…
BC: Isso… Hoje viúva… ele é considerado o maior documentarista da América Latina… Aquela mulher, tradutora do Fidel no mundo inteiro… quando eu fui à Cuba pela segunda vez, pegava a Luana por aqui (no colo)… (rindo)… Conheci Lázara naquela época, em 77, e somos amigas inseparáveis até hoje… Amo a Lázara, uma mulher negra, linda, maravilhosa, sempre com uma flor na cabeça… esse é o espírito cubano… Eu fiquei encantada com Cuba. Pra começar, o cara que carrega sua mala é um poeta, te dá um banho em qualquer assunto… Sabe… quem vai à Cuba tem que saber que o turismo é o povo! É linda, praias lindas, mas é o povo que te encanta, um povo solidário… Eu acho muita graça quando vejo campanha para sermos solidários com Cuba… Não! Vamos ser solidários contra esse bloqueio… Mas Cuba dá aula de solidariedade pro mundo, sabe?! Eles são capazes de mandar médicos pros Estados Unidos, pra população pobre dos Estados Unidos, que tem mas que os americanos escondem… Mas eu só fui conhecer o Fidel, pessoalmente, na minha segunda visita à ilha. Porque a gente nunca sabe se vai ou não conhecer, né? Mas dessa vez eu fui como convidada de honra, sem fazer show. Foram vários artistas… e Fidel nos recebeu, de repente… Sofremos uma revista muito simples… bebemos mojito… Anos depois o Fidel veio ao Brasil e eu fui escolhida pra entregar a ele o título de Cidadão Carioca, na UERJ!
EG: Pra acabar… Eu acho que a primeira vez que eu te vi chorando, de dor, foi…
BC: … com aquele lance da Mangueira…
EG: … isso. Tem algo que tenha te ferido tanto, uma mágoa, na carreira?
BC: Não, sabe? Nada me magoou mais que aquele lance da Mangueira. Mas como qualquer profissão, a profissão de cantar é difícil. Tem o palco, vaidades… é complicado. Eu lamento, apenas, que eu tenha deixado de ser pura, sabe? Eu tenho o coração aberto até hoje, mas eu já tive mais. Eu tenho saudade do tempo em que eu não tinha esse… esse aprendizado, sabe? É bom por um lado mas por outro a gente sofre… E se você é politizado, sofre mais ainda…
EG: E um puta orgulho que você tem?
BC: Ser mãe, em primeiro lugar. E de ser brasileira, de ser brasileira, eu amo esse país. De ter sido enredo de uma escola de samba… Unidos do Cabuçu, 1984. De ter cantado no Carnegie Hall, eu acho importante, no Maracanãzinho, em 78, eu novinha, e ter dado conta daquele recado… ai, muita coisa…
EG: Gostou?
BC: Adorei! Mas faltou falar dos discos, né? (rindo)
LAS: Muita coisa… Beth, e o jongo? Uma das primeiras gravações que eu me lembro foi com você…
BC: Ah, é como eu te falei… Ali eu também fui fundo. Como eu te falei eu não faço nada superficial. Eu me encantei com a Vovó Maria Joana, eu passei a freqüentar o jongo da Serrinha, a aprender a dança, eu me envolvi com aquelas pessoas, eu ia pra lá almoçar, eu não sei fazer diferente. E deu um resultado que eu considero muito bom! Fizemos direito, com o som direito.
EG: O que é que você está ouvindo hoje?
BC: Muita coisa… Ah, Mariene de Castro… que também é minha afilhada (rindo muito), afilhada baiana. Querida, muito querida… Está na Universal agora, é uma grande representante da Bahia, do samba, brasileiríssima, linda…
Segue uma longa entrevista com Beth Carvalho, dividida em duas partes, feita em 2010 para o site Buteco do Edu, de Eduardo Goldenberg, onde fala sobre sua vida e sua carreira para os entrevistadores Eduardo e seu irmão Luiz Antonio Simas.
Eduardo Goldenberg: Hoje é 27 de julho, nove e cinqüenta da noite, estamos aqui, eu e Luiz Antonio Simas, pra entrevistar Beth Carvalho. Como a gente sempre começa, Beth, fala, do seu jeito, o nome dos seus pais, onde você nasceu, as reminiscências da sua infância…
Beth Carvalho: O nome do meu pai, João Francisco Leal de Carvalho, minha mãe, Maria Nair Santos Leal de Carvalho, e eu nasci na cidade maravilhosa do Rio de Janeiro, no dia 5 de maio de 1946. Nessa ocasião meus pais moravam no Catete, na Bento Lisboa, 10. Esse prédio existe até hoje. É um prédio todo de pedra, todo de pedra, não fica velho nunca, resistente! Mas eu nasci na Pró-Matre, que fica na Gamboa. E meu pai, desde pequenininha, falava “você nasceu na Gamboa!”, e eu achava aquilo tão bonitinho… a palavra ”Gamboa”! E eu incorporei essa história… Qualquer pessoa que me perguntasse onde eu nasci, eu falava, “eu nasci na Gamboa!”. E isso ficou! E isso depois, bem mais tarde, em 72, quando eu fui fazer o disco “Pra Seu Governo” que eu pedi pro Mário Lago escrever a contracapa, ele me perguntou, “você nasceu aonde?”, eu falei, “eu nasci na Gamboa!” (ri). Aí ele disse, “ah, você nasceu no berço do samba” e tal, então ficou essa coisa… O Martinho da Vila fez um samba em minha homenagem, que é o “Enamorada do Sambão”… que ele fala (cantando) “Gamboa, Gamboa, Gamboa mas nem sempre estou na boa”, que eu também falava esse negócio de Gamboa pra ele, mas na verdade eu nasci no Catete, onde o Cartola nasceu também… (ri muito)
EG: E como foi sua infância?
BC: Minha infância foi maravilhosa, eu tive uma infância de rainha, tive tudo, tive velocípede, tive patins, tive balé (ri), tive natação, tive brincadeira na rua… Eu morei muito tempo na Urca… E a Urca era, ainda é um bairro muito…
Luiz Antonio Simas: Clima de interior…
BC: É impressionante! Pra criança não tem melhor! Então eu tive essa infância de praia, a praia da Urca não era poluída, tive infância de balé, como eu te falei, eu amava balé clássico… inclusive fui primeira bailarina na minha academia, eu tinha todo o jeito pra isso… Aos 13 anos eu engordei um pouco, veio o negócio de violão, de bossa-nova, e eu parti pra tentar o banquinho e o violão…
EG: Treze anos?
BC: Mais ou menos, por aí! Eu dei uma engordadinha, balé você tem que ser esquelética, e eu era esquelética! Pequenininha, não, mas depois eu ganhei corpo de bailarina mesmo! Eu não podia ver um poste que eu fazia barra, entendeu?! Eu era apaixonada, eu era rata do Teatro Municipal, minha mãe gostava muito… Mas também, ao mesmo tempo, eu era apaixonada por Carnaval…
EG: Desde pequena?
BC: Desde pequenininha! Minha mãe também! Minha mãe não era uma mulher de ficar saindo pra lá e pra cá mas Carnaval… ela era apaixonada! E ela me levava pra Cinelândia… Então eu via aqueles palhaços fazendo brincadeira com criança, eu me lembro disso… Tinha um XI e outro XI, juntos faziam XIXI! (rindo) Acho que tem isso até hoje, né? E aí as escolas de samba… Eu comecei a ver escola de samba eu tinha o quê?, uns 7, 8 anos de idade… E eu elegi a Mangueira pro meu coração, vai explicar! Não entendo!
EG: Sem influência de ninguém?
BC: Sem nada! Minha mãe não tinha uma escola, ela gostava de ver. Ela alugava um caixote, que era muito comum isso acontecer, a gente alugava um caixote pra ficar mais alto, que nem arquibancada tinha. E aí a gente assistia as escolas dessa maneira, Portela, Mangueira, Salgueiro, Império, não lembro… Eu lembro da Mangueira! Me marcou acho que pelas cores, pelas baianas… Porta-Bandeira e Mestre-Sala que eu sou apaixonada pela dança, né? Não deixa de ser um pouco clássica, né? Eu fiquei apaixonada pela Mangueira, então eu falava pra todo mundo que eu era Mangueira! Desde pequena, mesmo. E o baile do Teatro Municipal que era o que tinha, e era maravilhoso, baile infantil, era lindo, e os bailes de clube… Todos os clubes do Rio de Janeiro tinham um baile… Montanha, Tijuca Tênis Club, o Iate Clube, o Caiçaras, eu ia a todos. Chegou uma época que eu tinha o quê?, uns 14 anos, eu acho… Eu me mudava pra Tijuca! Eu tenho um lado tijucano forte…
EG (interrompendo): Ótimo!
(risos)
BC: … e isso por que? Minha avó morava lá, e meus primos que eu amo de paixão, Antônio Carlos, Luiz Roberto, Júlio Cesar, e minha tia Gardênia que já faleceu e meu tio Valdir… eles eram muito festeiros, muito festeiros!
EG: Você lembra a rua?
BC: Ernani Cotrim, uma rua sem saída, paralela à Maria Amália! Então a Tijuca… pra você ter uma idéia… Eu sempre morei na zona sul, morei na Urca, morei em Botafogo, morei em Ipanema… Eu acho que eu já estava em Ipanema nessa época. Agora… férias?! Eu ia pra Tijuca, dormia no quarto de empregada, numa beliche, eu dormia em cima, com aquele calor danado, com aquele morro atrás da gente, pedra pura, né? Eu ficava lá porque o Carnaval começava antes na Tijuca! Tinha quarenta bailes pré-carnavalescos!
LAS: Nos clubes?
BC: Nos clubes. No America… tinha muito bale no America. Eu, quando comecei a crescer, ia no infantil e no juvenil! E também brinquei muito no Botafogo… Eu freqüentei muito o Botafogo no Carnaval. Acho que era só no Carnaval que a gente ia lá. E o Carnaval era muito delicioso porque era na varanda, pras crianças era gostoso, tinha vento, eu me lembro que a minha mãe comentava, “ai, como é agradável aqui!”. Tinha orquestra, cara! Era coisa boa, entendeu? Os músicos eram da pesada, entendeu?! No Teatro Municipal tinha duas orquestras! Quando acabava uma, vinha outra. Wilson das Neves era um deles, que tava lá! Viu? Já desde aquela época, eu ficava ligada na orquestra, nos cantores, nos músicos… Eu tinha uma relação ali, sabe? Enfim… Carnaval… Eu aprendia cerca de setenta músicas por ano… Porque eu ouvia a Rádio Nacional direto, César de Alencar… Eu ficava o dia inteiro ouvindo aquilo… E a gente aprendia, naqueles programas, as músicas do ano, as de Carnaval. E todos os cantores tinham o que gravar no Carnaval. Nora Nei, Jorge Goulart…
LAS: Eles faziam música pra Carnaval!
BC: Sim! Eles viveram até morrer, disso! É o direito autoral mais forte do Brasil, é o direito autoral do Carnaval. Eu sei porque “Vou Festejar” segura a onda de todo mundo. Tinha que ser comigo o “Vou Festejar”, não podia ser com outra pessoa!
EG: Vamos voltar um pouquinho…
BC: Já falei muito! (risos)
EG: Com treze anos você largou o balé e foi pro violão… Foi seu primeiro contato com o instrumento?
BC: Eu tocando, sim. Mas teve o piano antes! Estudei um pouquinho, cheguei a dar uma audição e tal, mas não segui. Meu negócio era o balé!
EG: E o que é que os seus pais ouviam em casa?
BC: Meu pai e minha mãe tinham um bom gosto impressionante! Meu pai amava Dorival Caymmi, amava Noel Rosa, minha mãe ouvia muita música clássica, música erudita, ópera, ela adorava. Mas ela gostava também de cantores populares. Meu pai era mais ligado nesse negócio de compositor… Adorava Aracy de Almeida, chegou a ser amigo de Aracy, muito amigo da Elizeth Cardoso e do Sílvio Caldas. Sílvio Caldas era nossa paixão em casa. E a paixão da minha mãe era o Orlando Silva. Então aprendi isso tudo, pequena…
LAS: E as primeiras cantoras que você tem como referência são essas duas, Aracy e Elizeth?
BC: Talvez tenham sido. Mais a Aracy, viu?! Não sei te dizer. Eu sei que eu tenho tudo a ver com a Aracy de Almeida! (rindo) A mulher que vai pros botequins, a mulher que…
LAS: … rompe barreiras…
BC: É, meio isso… um pouco Chiquinha Gonzaga… tem muito a ver com esse espírito… Não sei exatamente se foi, mas acredito que sim. Eu era muito pequena…
EG: Então você foi estudar violão com treze anos?
BC: Fui estudar violão porque meu pai, pra variar… Meu pai era funcionário da Alfândega, conferente da Alfândega. Era bacharel em Direito mas não exerceu a profissão. Exerceu essa, que deu uma condição financeira boa pra gente. Não éramos ricos mas vivíamos legal. Meu pai foi pra Santos mas vinha todo final de semana. Ele adorava as filhas dele, minha mãe… Ele chegou com um disco e disse, “filha, escuta esse violão!”. Eu botei e me apaixonei. Era o João Gilberto. Me apaixonei por aquilo. Mas eu já tinha a Rádio Nacional em mim, Blecaute era o meu ídolo! Eu amava o Blecaute! O sonho da minha vida era tirar uma foto com o General da Banda. E eu tirei! (cantando) “Chegou o General da Banda ê, ê…”. E o destino é incrível, né? Não é que teve um música na minha banda, durante um tempo, que era neto do Blecaute!?
EG: Eu vou mandar pra você um fabuloso, genial e hilariante texto do Luiz Antonio Simas sobre o enterro do Blecaute!
BC: Ah, é?
LAS: Essa história é verdade! O Blecaute morreu e o camarada muito emocionado, tomou um porre, e foi homenagear o Blecaute mas foi pro cemitério errado. Entrou numa capela, achou um absurdo aquele silêncio todo e começou a cantar “Chegou o General da Banda ê, ê…” e todo mundo acompanhou!
(Beth ri muito)
BC: Então, fui encontrar o neto do Blecaute em São Paulo, em São Mateus! Não é demais? Aí o João Gilberto adentrou no meu mundo que já era muito rico musicalmente, porque eu tinha a Rádio Nacional, as cantoras populares, eu amava todas elas, Nora Nei, Emilinha, Marlene… Eu sou uma cantora de auditório! E eu tenho orgulho disso! Eu aprendi com elas, isso. Eu entro no palco, amiga da platéia! Dando amor pra platéia.
LAS: Não é aquela história de muita cantora que se diz tímida, que não gosta nem de ver a platéia…
BC: Dou meu coração pra platéia, entendeu? Isso eu via nas cantoras de auditório. E isso eu peguei. Talvez seja isso que me dê a popularidade que eu tenho. Eu não sei o que é que é vaia, por exemplo!
EG: O João Gilberto…
BC: O João foi uma mudança na cabeça de Deus e o mundo, né? Harmonia… Uma coisa da elite, da zona sul… O canto era um canto da zona sul do Rio de Janeiro… Corcovado, Arpoador, praia, garota de Ipanema, que tinha a ver com uma realidade minha. Eu também era isso… Mas eu sei o que é morar em Ipanema, sei o que é morar em Ipanema, sei o que é morar na Urca, mas sei também o que é a Tijuca, sei o que é o subúrbio. Minha mãe, quando eu era pequena, tinha amigas no subúrbio. Então eu pegava o trem com ela e ia pra Vicente de Carvalho e Padre Miguel. Eu ia pra lá sempre. Adorava aquele negócio de subúrbio, completamente diferente da nossa realidade mas que me fascinava também. Eu gostava daquilo. Desde cedo eu convivi com todas essas realidades… Como conhecia, também, todos os apartamentos da Vieira Souto… eu acho que eu conheço todos! Porque eu comecei a aprender a tocar violão pra valer, tocava legal, e hoje isso quebra o meu galho, eu tenho uma relação com músico maravilhosa porque eu sei o que é harmonia, posso discutir com músico, com maestro… Mas naquela época eu tocava legal, sabe? Me contaram, anos depois, que o Edu Lobo uma vez teria falado, “ela tem um violão masculino”… (rindo) Eu agradava muito nas festas. Eu sabia muito o repertório. Mas eu cantava, já nessas festas, eu cantava João, Tom Jobim, Nelson Cavaquinho, Cartola, cantava uns negócios que eu sabia do Salgueiro porque eu ia, com aqueles meus primos, todo domingo ao Salgueiro. O Salgueiro foi a primeira escola que se abriu pra classe média, e era no morro!
EG: Calça Larga?
BC: Calça Larga! Naquela rua que sobe, a General Roca… por ali. Lá em cima do morro. Então eu ia pro morro e eu dizia no pé! Com 13, 14 anos. Eu dizia no pé porque eu via as cabrochas sambando, eu aprendi olhando… Lógico que eu nunca fui uma cabrocha mas eu aprendi a sambar, o que era uma coisa muita rara na minha época! Eu nunca vi! Então eu cantava uns sambas de lá. Eu freqüentava também o Bafo da Onça, que era no Minerva, era época do Oswaldo Nunes, eu ia pra lá, ficava ouvindo aqueles sambas, um samba mais lindo que o outro… (cantando) “Quero ser feliz / Construir um lar / Mas o destino não quis / Quero ter alguém / Que me compreenda bem / E que me faça um dia feliz / Teremos crianças / Seremos carinhosos / Nas horas de alegria e da dor / Eu hei de ser um chefe de família exemplar / Amor, amor, amor / Não tem razão / Quem assim diz / Que o malandro não casa / Que o malandro não é feliz!” Quando tocava isso eu ficava emocionada, até chorava! Eu tinha uma coisa com o samba… E na zona sul, nem pensar… Na zona norte tinha mais! E eu comecei a freqüentar escola de samba com uma turma muito mais velha que eu. Quando eu mudei pra Ipanema, um dos meus vizinhos era um médico que era amigo do Albino Pinheiro. Inclusive a Banda de Ipanema surgiu ali naquele lugar. Eles bolaram a Banda de Ipanema, eles, o Ferdy Carneiro, e eu, claro, já querendo sair na Banda! Carnaval era comigo mesmo! Samba enredo também eu adorava, aprendia aqueles sambas compridões…
LAS: Essa época é anterior ao disco!
BC: Nossa, eu adorava saber aqueles sambas! Aí eu comecei a sair com essa turma, porque eles iam pra Mangueira. Estava pra ser inaugurada a nova quadra que Sabino Barroso e José Leal fizeram pra Mangueira.
LAS: O Leal, do Digão!
BC: É, da livraria da Ouvidor… E a Mangueira ficou linda. Eu conheci antes e depois. E a gente ia todo sábado… Eu me lembro que eu ia pra ver o Jurandir cantar! Eu era apaixonada pelo Jurandir cantando! (suspira e canta) “Minha companheira foi embora / Solidão veio comigo morar!”. Nossa, eu adorava isso! Eu vi a Leci Brandão chegar na Mangueira cantando (cantando) “Quero sim / Mais um pouquinho de inspiração”, lindo, isso. E ela foi pra ala de compositores da Mangueira… Então esse mundo aí era um mundo muito meu e dessas pessoas bem mais velhas que eu… Passei a freqüentar a praia que eles freqüentavam, porque a gente tinha a ver, a conversa tinha a ver… Nesse meio tempo eu conheci o Edmundo, arquiteto, a gente namorou, ele também tinha relação com essas pessoas, depois ficamos noivos, aí ele fez “Andança”, bom… aí já fui pra frente! É uma misturada a minha vida em termos de informação! (rindo) Zicartola eu ia muito, mas ia mais no Teatro Opinião quando surgiu a peça, que deu nome ao teatro. Você sabe que o teatro chamava Teatro de Arena e virou Teatro Opinião por causa da peça, pra você ter uma idéia do que foi aquele musical… Vocês chegaram a ver?
EG: Não…
BC: Você não tem idéia do que foi aquilo!
LAS: Tem uns registros em disco, mas só uma parte…
BC: Olha, o coração da gente vinha aqui! (põe a mão na garganta) A Nara… a Nara fez uma revolução. Ela era a musa da bossa-nova, aquela coisa de apartamento, de uísque, de frente pro mar, aquela coisa bem elitista e ela vai… (cantando) “Carcará, pega, mata e come!”. João do Vale! Aí vem com Zé Keti, né?, vem com Nelson Cavaquinho, Oduvaldo Viana Filho fazendo a peça… Foi uma revolução que ela fez, maravilhosa, e que tinha tudo a ver com o que eu também gostava, e muito, até mais, e eu acho que fui ver umas quinze vezes… Depois a Nara traz a Bethânia! Você não tem idéia do que foi a Bethânia, cara, quando ela chegou cantando, inacreditável!, arrepiava todos os cabelos. (canta) “Carcará, pega, mata e come!”. E ela falava… e eu cantava nas casas “Carcará”, “Subdesenvolvido”, já fazendo protesto! Eu já fazia protesto nessas casas de rico. (rindo) Ela falava um texto de teor político e muito emocionante, e voltava cantando… eu tenho o compacto!
LAS: Ela falava da fome…
BC: Nossa Senhora! Muito lindo aquilo, meu Deus do céu, eu chorava, muito aplauso! Foi uma coisa. Tanto que é o único teatro que tem o nome de uma peça, que eu saiba, né?
LAS: É verdade!
BC: Então depois virou Teatro Opinião. E tinha as rodas de samba às segundas-feiras… Eu já conhecia alguns sambistas, outros eu não conhecia… aquelas maravilhas… um elenco fixo… Nelson Cavaquinho, Cartola, Clementina e Xangô!
LAS: Dona Ivone Lara…
BC: Não… dona Ivone é bem depois! E eu passei a ir toda segunda-feira, aí saía dali e ia pra Adega Pérola, que tinha uns petiscos maravilhosos…
EG: Ainda tem!
BC: Era uma loucura… Mas eu já tô falando muito…
EG: Tá nada! Fala mais!
BC: (rindo) É que eu vou lá pro passado, volto pro presente…
LAS: O que fica de interessante nisso é o seguinte, e você vê isso em pouquíssimos músicos, cantoras e cantores brasileiros… É a questão da informação… Você tem muita informação, né? A Aracy tinha isso, o Noel tinha isso, você tem muito isso! Você transita, como eles, numa certa zona de fronteira!
BC: Verdade! Noel subiu o morro de Mangueira, fez samba com Cartola… o Sergio Cabral me chama de Túnel Rebouças! (rindo muito). Uma coisa também que eu queria falar… a parte latina! Eu tinha e tenho latinidade! E falta ainda muito no Brasil…
LAS: Verdade…
BC: E ganhei isso por causa da minha irmã, Vânia, 7 anos mais velha que eu. A Vânia, Vânia Santos Leal de Carvalho, cantava, e canta até hoje, muito bem, principalmente músicas espanholas porque ela estudou num colégio de freiras espanholas, lá no São Marcelo. Eram freiras espanholas, ela pegou aquela cultura… Essa coisa hispano, latina, eu peguei desde criança…
EG: Mais um ingrediente no seu caldeirão, né?
BC: Muito forte! Quando surgiu o Lucho Gatica, chileno, que é um dos maiores cantores do mundo pra mim, cantor de bolero, arrebatou. Minha irmã era alucinada por ele, e você sabe que irmã mais velha influencia… Quem, na minha idade, sabia quem era Lucho Gatica? (rindo) Ninguém! E a gente continuou ouvindo coisas espanholas, cubanas, veio a revolução cubana, Che Guevara, Fidel… essa coisa toda que nos encantou enormemente… “Guantanamera”… a Nara cantava “Guantanamera” no Opinião! Por isso eu tenho esse sonho de gravar um disco cantando as músicas revolucionárias da América Latina, porque eu sempre me liguei nisso, Mercedes Sosa, Pablo Milanéz, Silvio Rodriguez, Los Chalchaleros, é uma maravilha! A Rosita Gonzales, que cantava praticamente só em espanhol!
EG: Vamos voltar pro trilho!?
BC: Eu viajo muito, né? Vamos lá!
LAS: Estamos no início dos anos 60…
BC: Foram muito ricos…
LAS: Estamos no pré-golpe…
BC: Meu pai era um homem de esquerda. Sempre nos informou sobre a posição dele, e eu sempre segui ele. Papai tinha o retrato e o busto do Getúlio Vargas, papai falava muito do Leonel Brizola, do Prestes… Papai foi cassado porque pensava dessa maneira, passamos um sufoco por causa disso… Mas ele pegou o número do processo dele, jogou no bicho e vivemos um ano com esse dinheiro! (rindo) Meu pai jogava no bicho, sempre!
EG: Quando é que você decide que vai ser cantora?
BC: Não decidi! Eu adorava cantar, ia pra todo que era lugar cantando… e veja bem… eu passei a ser a queridinha dos compositores… A gente tinha uma turma que já era… Veja… Eu freqüentava a casa do Tom… Eu namorava um cara que era amigo do Tom e eu ia pra lá fazer vocal. Adorava isso! Vocal era comigo mesmo. Já fazia no colégio! Freqüentava a casa do Marcos Valle, tinha umas reuniões musicais, muito boas… Mas nós já éramos os filhos desses caras… Filhos é exagero! Mas eu tinha uma turma que era Edmundo Souto, Paulinho Tapajós, Arthur Verocai, Danilo Caymmi, Arnoldo Medeiros, Tibério Gaspar, Antonio Adolfo… a gente saía em bando! E nessa época eu já ganhava dinheiro tocando violão! E quando eu era convidada pra fazer um show, eu levava uns dez comigo e entrava pela porta da frente! Foi quando começaram os festivais… Ah, o Luiz Claudio, que toca com o Chico Buarque, também era da nossa turma! Eles começaram a fazer música. E como eu sabia cantar as músicas deles, eu passei a ser a cantora deles. Eu tenho milhões de fitas gravadas na casa de um cara chamado Karan, que se está vivo, espero que sim!, ele tem um material riquíssimo não só da gente, mas de todo mundo! Ele gravava em fita de rolo, qualidade total. Foi lá que eu conheci o Milton Nascimento, isso já em 67. Milton na fila esperando pra gravar “Morro Velho”, “Maria, Minha Fé” e “Travessia”. Foi quando eu vi que estava diante de um gênio, mas isso é outra história… O que aconteceu, então, pra eu virar cantora profissional? Eu cantava em tudo o que era lugar. Mas eu ia muito no apartamento do Raul Alvarenga Porto, maravilhoso, câmera da extinta TV Rio. Ele me adorava. Um dia ele disse, “Beth, eu vou botar você no programa do Flávio Cavalcante”, o Flávio que tinha o maior programa da época da TV brasileira em termos de audiência… Acho que era parente, tio dele. Eu fui a uma festa no apartamento do Flávio e cantei, cantei as coisas todas, cantei “Subdesenvolvido”, e ele era lacerdista! Provocando ele! Mas ele amou, me adorou, e pronto! Me botou no programa dele. Pra você ter idéia, eu não tinha nem roupa, roupa de festa, quem me emprestou a roupa foi a mãe do Raul.
EG: Isso foi em que ano?
BC: 64 pra 65, por aí. Aí eu cantei uma música que o Menescal tinha acabado de fazer pra mim, chamada “Por Quem Morreu de Amor” e “Namorinho”, que era do meu namorado! Athayde e Mário de Castro! (rindo) Já cantei música inédita e música de compositor novo! Eu me acompanhando no violão. Quem me assistiu foi Humberto Reis, que era jurado do Flávio Cavalcante, e o Paulo Rocco, que era diretor-artístico da RCA. Assistiram, adoraram, comentaram com o Vica Giffoni, que era da nossa turma também, um compositor que vivia mais em São Paulo e ele disse “Bom, pela descrição só pode ser a Beth! Mulher, tocando violão, de perna grossa, e cantando bossa-nova, é ela”, aí não sei qual dos dois me ligou e me convidou pra gravar na RCA! Foi assim! Eu tive uma orquestra de cordas, imensa, um estúdio imenso, arranjos do Eumir Deodato – porque a gente fazia muito vocal, o Athayde, que eu namorava, tinha um conjunto, o Quarteto 004, e o Eumir fazia os arranjos – e o Menescal no violão. Eu tive os caras, né? O Eumir era um cara não entendido no Brasil de tão moderno que ele era, ele ia lá na frente. O disco tocou muito na JB, que era uma rádio bem elitista, a música do disco era mais elitista. Ah, tem uma história boa!
EG: Conta!
BC: Nessa época eu ia fazer um show que eu não fiz! Um show que foi feito pela Leny Andrade e pelo Peri Ribeiro! O Ronaldo Bôscoli me chamou pra fazer esse show. Eu não tinha experiência nenhuma, não era minha jogada… Mas ele queria que eu fizesse, eu era nova, era um trio, baixo, piano e bateria. Eu falei que não ia fazer. Era no Porão 73, no começo de Copacabana! E foi a melhor coisa que eu fiz… E eu adorei aquele show, que acabou sendo com a Leny. Muito tempo depois a Leny me contou. O Bôscoli foi à casa dela, ela preta de praia, e ele, (imitando) “Leny, vamos fazer um show que estréia depois de amanhã!”. Mas ela tinha experiência, já, né? Era da noite, ótima cantora, arrebentou, e acho que foi o primeiro disco gravado ao vivo aqui. Depois o show viajou, foi pro México, eles ficaram uns 3 anos morando lá! Recebi convite também pra cantar com o Sérgio Mendes, pra morar no Estados Unidos, e eu “ah, não, nem pensar!”. Eu tinha horror ao sistema imperialista americano desde cedo! Claro que eu gosto muito da boa música americana, é sensacional, mas enfim…
LAS: E você acha que fez muito bem de não ter feito esse show?
BC: É, eu tô querendo justificar porque é que eu gravei “Por Quem Morrer de Amor”, porque o Menescal tinha feito essa música pra eu cantar nesse show! E quando eu fui gravar o disco, gravei. Mas eu achei ótimo não ter feito esse show, nem ido pros Estados Unidos, se não eu não teria tido essa carreira que eu tive, não é verdade?
LAS: Verdade.
BC: Ah! Quando eu falei do Sílvio Caldas, da Elizeth e da Aracy, eu esqueci de dizer que eu fazia aniversário junto com o meu pai. E meu pai era amigo de pescaria do Sílvio Caldas, e o Sílvio Caldas deixou de fazer um show pra poder ir no aniversário do meu pai, e conseqüentemente eu peguei o jabá! Essa barbada! Eu me lembro que eu tinha 5 anos de idade e me lembro que o Sílvio Caldas, brasileiro do jeito que era, falou, “Nós não vamos cantar parabéns pra você nessa data querida, porque isso é uma versão! Vamos cantar o nacional”. E ele cantou o nacional (cantando) “Parabéns a você, parabéns / Toda felicidade / Muitos anos de vida, também / E sempre a nossa amizade”. Eu tinha 5 anos…
LAS: O que eu acho interessante destacar, Beth, é que existe, para algumas pessoas, a visão e a sensação de que você teria subitamente descoberto o samba, e a gente repara que não, que você já cantava samba nos seus shows, antes mesmo dos festivais…
BC: Em 66 eu fiz “A Hora e a Vez do Samba” no Teatro Jovem. Tudo era no Teatro Jovem, impressionante… Eu toquei piano nesse Teatro Jovem, eu dancei balé nesse Teatro Jovem, porque minhas aulas eram na União das Operárias da Jesus que fica ali, as feiras de samba, as feiras de música, todas foram feitas lá, que o Kleber Santos organizava, reivindicar coisas, sempre na luta pelo melhor da carreira artística das pessoas, eu já estava nesses movimentos… Fui fazer “A Hora e a Vez do Samba” lá. Era Nelson Sargento, Noca da Portela… (pensando)… Trio ABC da Portela! Colombo, Picolino e Noca! Isso em 66! Acho que tinha o Nelson Sargento também… Eram essas pessoas, que eu amava de paixão… Eu cantava sambas, claro, cantava Martinho da Vila, cantava “Iaiá do Cais Dourado”, foi lá que o Martinho me conheceu (rindo). Já ficamos um pouco amigos desde ali. Depois eu fiz “Sexta-Feira é Dia de Samba”, no Teatro Jovem, tinha Rildo Hora, tinha Antonio Houaiss, tinha o Nelson Sargento… ai, não lembro! Mas era samba, era essa coisa de resistência, o pessoal do protesto… E depois eu vi, no Teatro Jovem, um show que pra mim foi determinante, o show “Rosa de Ouro”. Ah não, mas antes disso eu fiz um show, “Arena Clube de Arte”, que era num teatro pra 50 pessoas, na Barata Ribeiro. Eu, Grande Otelo, Milton Morais, um grande ator, Sargentelli e mais o Nelson Sargento, Anescarzinho, Picolino e Zé Keti. O show era o seguinte… o Sargentelli enchia a minha bola, me adorava, eu era aquela menininha que sabia tudo de música, de todo jeito, de todo tipo, e aí ele falava pra platéia, “Pede aí um samba do Ismael Silva, do Noel Rosa, o que é que vocês querem ouvir?”, o show era isso, olha que loucura! Essa era a minha parte. O Zé Keti estava lançando “Máscara Negra”. O Grande Otelo fazia aquelas coisas dele, misturando poesia, e o Milton e o Sargentelli contavam histórias… ele que era sobrinho do Lamartine Babo, contava mais do samba. A gente saía de lá, ia pra Fiorentina e dividia uma pizza pra nós, e cada um comia um pedaço! Miséria total mas uma alegria absoluta, entendeu? (rindo) Essa história do samba culminou quando eu vi uma coisa que eu não acreditei, que foi a Clementina de Jesus. Quando a Clementina apareceu naquele palco do “Rosa de Ouro” eu falei “eu sou isso aí!”. Sabe o que é entender a Clementina?! Não é qualquer um que entende, não! Aquilo baixou em mim, sabe? Tanto que eu dedico meu primeiro disco de samba à Clementina e à Elizeth. Fui ver umas 15 vezes também! O show lançava Paulinho da Viola, lançava Os Quatro Crioulos, lançava Clementina e trazia de volta nossa Aracy Côrtes. Direção do Hermínio Bello, no Teatro Jovem também! A Clementina… eu sei imitar a Clementina… de tanto que eu a amei… Ela tinha as mãos enormes, as unhas compridas, fazia assim com as mãos (imita, imita cantando) “Benguelê, benguelê, benguelê oh mamãe Simba, benguelê”. Depois ficou comum, sabe? Mas não era. Não era nada comum! Era totalmente diferente! Vieram os festivais… Eu cantei, em 66, um samba urbano, tipo Chico Buarque… Ah! Ah!
EG: O quê foi?!
BC: Quando surgiu o Chico Buarque eu me apaixonei de verde, amarelo, azul e branco! E antes disso, quando surgiu o Baden, eu também me apaixonei! Meu violão deixou de ser João pra ser Baden! Mais negra, mais afro. João Gilberto, Baden, veio o Chico, e antes o Tom Jobim, que esse é sagrado. E mais o Nelson Cavaquinho, o Cartola, eu amava os dois mas tenho uma identidade maior com o Nelson… Onde eu estava, hein?!
EG: Nos festivais, Beth!
(rindo)
BC: Ah, o samba urbano. O samba chamava “Berenice” e eu o cantei no festival “O Brasil Canta no Rio”, da TV Excelsior. Em 67 veio o “Festival Universário” da TV Tupi. O Adonis Karan era o diretor do festival e me convidou pra cantar uma música chamada “Meu Tamborim”.
EG: O Karan daquelas gravações?
BC: Não! Era parente! Achava que era a minha cara, por conta do samba e tal. Era do César Costa Filho e do Ronaldo Monteiro de Souza. O arranjo do Ivan Paulo, e a música ficou em terceiro lugar… Aí veio 68. O que a gente tinha pra mostrar eras nos festivais, né, bicho? Veja bem… eu já tinha gravado meu compacto, em 65, tocou, mas era uma coisa mais elitista, como eu disse. Eu sempre gostei de ir pro povo, sabe? Eu sempre tive uma alma popular. Eu cantava bossa-nova como samba, eu gostei da bossa-nova porque era um braço do samba! E em 68, lembra das fitinhas que eu te falei?
LAS: Sim…
BC: Eu tinha 40 músicas pra escolher. Inclusive música minha. Mas escolhi cantar “Andança”. Chamamos os Golden Boys e foi aquele impacto. “Andança” só perdeu pra Geraldo Vandré, com aquele hino, e pra “Sabiá”… que eu chorei junto, sabe? Injusta, aquela vaia… Quando eu ouvi, nos ensaios, falei pro Edmundo que ela ia ganhar. Mas “Andança” pegou no primeiro “me leva amor…”, e não é uma música fácil, nem uma letra fácil… Estamos em 68 e o samba está aqui dentro de mim, batucando… Aí surgiu um movimento, em 67, chamado “Música Nossa”, liderado pelo Roberto Menescal. Era ali, onde era o Carinhoso, tinha um teatro. Toda semana tinha música. Eu cantava “Viola Enluarada”, que era inédita, e “Contraste”, do Edmundo Souto e do Arnoldo Medeiros. Um dia o Menescal avisou pra gente que as gravadoras iam lá pra ver os músicos e escolher seus cantores e cantoras, seus artistas. E assim eu fui pra Odeon. Aí eles gravaram “Berenice”, “Meu Tamborim” e “Andança” no estúdio. Vai sair tudo agora de novo! Aí em 69 é que saiu meu primeiro LP, onde eu já tô ali… tem uma faixa do Carlos Elias da Portela, sambas do Baden, “Andança”, lógico, músicas do Paulinho, do Edmundo, Arnoldo, Milton Nascimento, que é “Sentinela”, e ele toca o violão, a gravação é com ele, e eu chamei o César Camargo Mariano, que era do Trio 3D, que eu achava muito bom por causa do suingue. Meu primeiro LP foi com o César Camargo Mariano com o trio. Eu já tinha visto ele tocar com o Simonal, numa boate em São Paulo, eu acho, não lembro bem. É um disco que mostra uma cantora com algumas facetas mas mais pro samba, porque tem Baden, tem Paulo Cesar Pinheiro, tem Marcos Valle, tem Carlos Elias da Portela… Tem Vinícius… E assim foi.
LAS: E era um momento em que o samba estava explodindo mesmo, né? Se você pegar o samba enredo, por exemplo, a Mangueira, cantando Monteiro Lobato, foi um pouquinho antes… em 67!
BC: Olha só! Eu gravei um samba enredo da Mangueira num disco só com cantores e cantoras, não puxadores de samba. Foi quando comecei a desfilar na Mangueira, em 1970… Eu sei que eu estava nessa, festival, festival, festival… Aí eu disse pro meu diretor e disse “Olha, ouvi um samba maravilhoso, quero gravar, quero gravar um disco só de samba”, e fui vetada. Aí eu pedi meu boné na Odeon e fui embora! Eu já estava com um material enorme, já estava nas andanças, já estava na pesquisa, entendeu? “Minha Companheira”, por exemplo, era uma música inédita. Músicas do Nelson Cavaquinho… Pedi meu boné, pedi a rescisão do contrato e o Manolo Carmero, tinha aberto uma gravadora pequena, chamada Tapecar, uma gravadora pequena, na avenida Brasil, um cubículo. E a minha prima, Tânia Carvalho, jornalista, era amiga da esposa do Manolo e me disse que ele estava querendo conversar comigo. Aí ele foi na minha casa e eu assinei o melhor contrato do mundo! Pra você ter uma idéia eu tinha direito a 9 passagens por ano pra Europa! Aí eu virei uma forte vendedora na Tapecar. Gravei o meu primeiro disco só de samba, o “Canto Por um Novo Dia” – olha o recado, olha o nome! – porque o samba sempre teve essa conotação política, não só musical, sempre foi uma bandeira da esquerda mesmo! O samba sempre foi uma coisa da esquerda, meu Deus! A direita quis fazer o samba ser da direita, mas ele nunca foi! Sempre teve os sambas de protesto, que eu adorava, que só o povo sabe falar mesmo, né?
EG: E esse disco você grava com autonomia absoluta?
BC: Total! Eu botei todo mundo na Quinta da Boa Vista de manhã, Nelson Cavaquinho, Paulo Cesar Pinheiro, Gisa Nogueira, Mário Lago, todo mundo que tá no disco estava na Quinta da Boa Vista na foto! Um milagre, né, esse povo de manhã!
LAS: Tem música do Mário Lago…
BC: Tem, ele volta pro disco assim, com “Salve a Preguiça, meu Pai”. Que era uma coisa velada, né, mas era um recado pros caras… Venha me buscar, mas eu vou de colo pra não me cansar!
LAS: Tem Martinho, tem Nelson (cantando) “Quando eu piso em folhas secas…”… Beth, você lembra o ano em que você conheceu o Nelson?.
BC: Eu acho que eu conheci o Nelson… (pensando) … esse filme do Leon Hirszman, de 69, eu não sei se eu vi antes ou depois… Eu conheci o Nelson, de vê-lo, no Teatro Opinião! Mas eu não tinha coragem de me aproximar dele, porque ele tinha os olhos esbugalhados quando bebia (imitando), ele gostava um pouco de beber, né? (rindo), eu achava que ele podia ser meio agressivo, ficava meio assim. Eu não era conhecida, eu estava começando minha carreira, né? Sabe como é, né? Até que um dia eu fui com Edmundo, minha irmã, uma turma, pro bar que ele freqüentava na Lapa, acho que Ouro Verde, um bar de esquina, botequim mesmo, de balcão, e nos fundos tinha umas mesas e cadeiras. Eu fui e aí encontrei o Nelson. Aí sentei do lado dele (rindo). Sabe aquela apaixonada? Aí eu comecei a cantarolar com ele, baixinho, e ele me olhava, sabe? Cantou uma música do Nelson pra ele, ganhou o coração dele, era assim, uma criança, sabe? Aí ficou meu amigo, sabe? Aí era Natal lá em casa, aniversário dele lá em casa, criou até ciúme… O Albino dizia “Pô, não agüento mais esse Nelson Cavaquinho com essa Beth Carvalho!”, era puro ciúme! O Albino Pinheiro veio me confessar isso uns dez anos depois. Eu ri muito com ele. Engraçado, né? A gente não imagina isso. E aí, pronto. Eu já era apaixonada pela obra do Nelson, vendo ele, entendendo ele… Lembra o que eu falei da Clementina? O Nelson também não era fácil de entender. O Nelson, cantando com aquele violão, ou ama ou odeia. Não tem meio-termo. E eu amava. E eu ficava sendo aquela menina andando com o Nelson, eu já tinha carro, já era famosa, deixava ele na Praça Tiradentes… Aí ele me deu “Folhas Secas” de presente, me deu o cavaquinho dele de presente e ele me adorava! Eu adorava ele e ele me adorava.
EG: Quantos anos de amizade?
BC: Ah… desde 71…
EG: Você consegue lembrar de alguma história épica do Nelson que você ainda não tenha contado?
BC: Não, não… (pensando) Olha, eu nunca vi ninguém tocar violão com a capa! Tinha hora que o sono era tanto, que ele tocava com a capa, com o violão encapado! Ah, e na capa daquele violão ele colocava coisa que até Deus duvida… Botava peixe e voltava três dias depois do peixe comprado, porque ele parava no botequim, emburacava… Quem sabe mais dessas histórias é o Sergio Cabral, um pesquisador nato! Eu fiz um show com o Sergio Cabral e o João Nogueira, no João Caetano, com o Joel do Bandolim, o Sergio contava histórias todos os dias, todos os dias eu ria! Eu lembro dessa coisa do peixe na capa do violão… Ah, e quando ele foi gravar comigo puseram o fone nele, né? E ele (imitando): “Eu não sou aviador pra usar isso aqui, não?”. Fizemos vários Seis e Meia juntos, Pixinguinhas… e ele não bebia!
LAS: É mesmo, é?
BC: A maior prova de amor dele! Tinha vezes que eu dizia “Nelson, bebe uma cerveja, você tá muito velho e tá chato”, porque ele é que ficava tomando conta de mim, sabe? (imitando) “Já vai pra farra, é?”. E ele ficava no hall do hotel, tão bonitinho, todo penteado com aquele pente que ele adorava, cheiroso, de roupa branca, com aquele lenço rosa saindo assim, às quatro horas da tarde ele já ia pra lá, pronto! E ele tinha essa coisa também: tinha meses que ele ficava sem beber nada… Mas de repente caía dentro e… ia direto!
LAS: Você lembra exatamente quando vem o Cacique?
BC: Eu fiquei muito enturmada com todos esses compositores, não só Nelson e Cartola. Cartola foi em 74, quando eu fui na casa dele e ele me mostrou “As Rosas Não Falam”, “O Mundo é um Moinho”, só música boa. Mas antes disso, eu já tinha relação lá de trás com Noca da Portela, Picolino, Zé Keti, essa turma que eu já falei, e mais outros, né?, que isso não para… Silas de Oliveira ia na minha casa… Eu resolvi digitalizar tudo o que eu tenho aqui em casa, sabe?, bicho, tenho coisas do arco da velha… tem fita do Silas de Oliveira, tem fita do Zeca Pagodinho no comecinho, tem Arlindo, tem Sombrinha, tem do Cartola, tem do Nelson, conversas com o Nelson, é uma coisa que eu tenho que botar num blog, criar uma ONG, um museu, uma fundação…
LAS: É raríssimo…
BC: Quem?
LAS: O Silas, é raríssimo!
BC: Eu tenho ele cantando, aqui! Entendeu? Porque eu sempre dei atenção ao compositor, sempre. Sempre tive a maior reverência… Eu gravava tudo…