Beth Carvalho e Zeca Pagodinho - Camarão Que Dorme a Onda Leva
Continuação da entrevista com Beth Carvalho feita em 2010 para o site Buteco do Edu. Confiram!
EG: Olha, Beth, deixa eu contar uma coisa. Eu, quando te conheci, há uns 15 anos, eu era até chato seguindo você pra tudo o que é canto…
BC: (rindo)
EG: … e via você sempre sacando alguma coisa da bolsa, um gravador, uma câmera, registrando tudo, tudo! Pesquisadora mesmo!
LAS: Chega a ser curioso, Beth, porque o cantor ou a cantora podia ter identificação com uma escola, só que você tem essa identificação com a Mangueira mas é impressionante como gravava tudo, da Velha Guarda da Portela, por exemplo…
BC: Claro! A que mais gravou! Tenho uma placa, inclusive, que a Surica fez falando sobre isso… Só na avenida é que tem a disputa! Não tem essa história só de Mangueira. Eu gravei Mangueira, Portela, Salgueiro… Meu sucesso popularzão mesmo foi do Gracia do Salgueiro! Eu quero saber da música! É boa? Eu gostei? Eu gravo, depois vou saber de onde é. Claro que hoje eu tenho critério… Tem muito samba falando da Mangueira… mas é original, é bom? Vou gravar. Samba de amor, pra variar os temas, amor, Mangueira, Cacique, política, partido-alto…
LAS: Você falou de política… você lembra de seu primeiro contato maior com o Brizola?
BC: Ah, na volta dele. Pouco tempo depois. Porque quando ele voltou, minha música, do Noca, era o hino da campanha do PMDB! Olha a minha situação! Eu com Brizola no coração sem poder virar Brizola ali! Mas acabou sendo bom… Depois o próprio Miro Teixeira reconheceu a vitória do Brizola!
EG: E seu primeiro envolvimento com política?
BC: Lula, Sindicato dos Metalúrgicos. Mas isso política nacional, né? Política mesmo, sempre! Sempre discuti contrato, fui da Sombrás, sempre batalhei pela numeração dos discos, eu, Chico, Gonzaguinha… Pena que essa vitória veio num momento em que o disco perdeu força… Mas foi importante. E acho que valeu, porque foi o primeiro país no mundo a ter disco numerado. Agora… luta por contratos, reuniões com a classe artística, sempre, sempre. A gente tinha uma luta, né?
LAS: E o Lula?
BC: Ele era do sindicato dos metalúrgicos e eu já era um sucesso forte em 1978, já tinha o “Vou Festejar”, do Cacique – que é uma história à parte – e então eu fui cantar lá com o Fundo de Quintal. Tudo de graça! E quando o Lula fez a primeira pra presidência, em 89, apareciam essas imagens. Não tinha PT, não tinha nem PT, ainda! Foi em 78. O Lula foi a grande figura que apareceu, né?
EG: Beth, uma das coisas que é sabida a seu respeito, e não é à toa a história da madrinha, que tem a ver com sua postura de ir aos lugares, de gravar tudo…
BC: … de valorizar nas entrevistas, de colocá-los nos meus vídeos, nos meus discos… Eu sempre dividi meu pão! Eu sempre dividi! Podia ficar sozinha, mas não. Botava a Velha Guarda, mostrava o Argemiro, o Casquinha… sempre…
EG: E o Cacique, por que é uma história à parte?
BC: À parte, eu digo, porque eu já era um sucesso muito forte. Meus discos estavam no auge de vendagem, eu era uma grande vendedora de disco, a Clara também, a Alcione também, o Martinho também, a gente vendia essa quantidade louca, já saía com disco de ouro, depois disco de platina… hoje é um deboche, com 25 mil já ganha… Nós éramos o trio ABC, Alcione, Beth e Clara! Então… aí o Alcir Portela, do Vasco, que era meu companheiro de samba… (pensando)… Eu tinha uma turma, nessa época, que era do Clube do Samba, eu, João Nogueira, Paulo Cesar Pinheiro, Nelson Cavaquinho… todo dia! Nós éramos o quarteto da morte! Saíamos todo dia! Chegávamos no Sereia de Ipanema, por exemplo, os caras queriam morrer, sabiam que a gente só ia sair de lá às oito da manhã! Aí o Alcir, que era um cara que saía comigo, a gente ia a uns sambas no subúrbio, e ele era muito amigo do João Nogueira também, em 77, me disse, “vou te levar num lugar que você vai gostar”. E eu falei, “vamos nessa, onde é?”, e ele disse, “No Cacique de Ramos”. Meu coração já bateu por outra razão! Porque quando eu estava naquele negócio de carnaval, que eu sempre tive, o Cacique e o Bafo eram os dois blocos mais fortes, sendo que eu freqüentava o Bafo mas eu achava o Cacique mais interessante no desfile, porque tinha um negócio de tacape, tinha uma roupa de índio e tinha aquele samba (cantando) “Nesse carnaval não quero mais saber, ê, ê, de brincar com você”. Eu gostava muito desse samba e de um samba da Chiquita, irmã do Sereno, ela que já morreu, uma grande mulher, uma mulher que cantava um samba diferente de todo mundo, eu tenho a Chiquita filmada…
EG: Tem?
BC: Tenho, mas tenho que limpar essas fitas todas… A Chiquita tinha uma música, e eu tenho um caderno com a letra da Chiquita (cantando) “Querem me derrubar / Aí meu Deus, o que será?/ Uso arco e flecha / Mas em ninguém vou atirar / Entrego à proteção divina/ Só ela é que pode me parar/ É verdade sim o que ouço dizer / É verdade sim o que ouço falar / Visto, um saiote de penas / Uso também um lindo cocar/ Meu nome é Cacique de Ramos / Sou vacinada e batizada o que é que há!”. Eu achava demais, e era briga mesmo, esse “querem me derrubar” era pro Bafo! Mas aí eu cheguei no Cacique, e conheci a Chiquita, e vi uma rapaziada, o maior suingue… suingue pra mim é fundamental… Fazendo um som diferente no samba, sem perder a raiz do samba, cantando uns sambas bonitos, eu pensei, “o quê é isso, cara?”. E instrumentos nunca vistos antes. Repique de mão que o Ubiranyr criou, Sereno com aquele tantã daquela maneira tocando, o Neoci também, e o banjo com o Almir Guineto. Banjo era usado, mas de outro jeito, na época do Pixinguinha… O banjo é um instrumento africano. Sabe o que é fascinada? Eu fiquei fascinada! Eu encontrei o meu lar, meu lugar! Era a segunda vez que eles se reuniam… E por que o Alcir me chamou? Porque sabia que eu era famosa e tal… mas eu não pensei nisso, eu fui pra me divertir, pura e simplesmente! E fiquei me divertindo um ano! Eu não pensei em nada disso, sabe? Com o tempo é que a coisa foi amadurecendo, a coisa foi ficando forte em mim… até que o botei no disco, foi em 78, no disco “Pé no Chão”. É o registro, com eles, do novo som do samba. Gostem ou não, é o novo som do samba. Com muito suingue. E com muita negritude! O samba tava ficando meio esbranquiçado, entendeu? A bossa-nova fez muito isso, ficou só o tamborim… E eles vieram com batuque de mão, de tribo, tribal (batucando), repique de mão, tantã, o banjo era mais percussivo do que qualquer outra coisa… Eram os caras do Cacique de Ramos, entendeu? O Almir era do Salgueiro mas tinha uma relação lá… O Cacique em baixa, o bloco decadente… e eles com vontade de cantar os sambas deles que eles não tinham onde cantar, sabe? Porque as escolas de samba foram perdendo sua função… que era a de mostrar os sambas dos caras, pô! Os caras cantavam, então, seus sambas. E o Cacique de Ramos, eu chamo de Sierra Maestra do Pagode! O pagode é uma palavra que eu adoro, infelizmente deturpada, não fui eu que criei, o Paulinho da Viola já cantava “domingo, lá na casa do Vavá / Teve um tremendo pagode que você não pode imaginar”… Pagode é uma palavra simpática e virou um tormento depois dessas deturpações! Mas pagode é a forma íntima do sambista chamar o samba, pagode é a festa, tanto que existe pagode no nordeste também, no forró. Olha… pra vocês terem uma idéia, eu pensei em mudar pra Ramos! (rindo) Eu só vinha em casa pra dormir! E o que é que tinha no Cacique? De tarde tinha futebol de salão, por isso o Alcir era ligado, o Neoci, muito amigo do Edson, que foi meu marido depois, eles se conheceram jogando no juvenil do Bonsucesso, Paulo Cesar Caju, o Jairzinho…
LAS: O Alcir chegou a montar uma comissão de frente na Imperatriz só com esse pessoal do futebol…
BC: Exatamente! Era a turma que freqüentava o Cacique de Ramos! Então era uma delícia… Não tinha nada, mas tinha tudo! Digo nada, assim… não tinha um petisco, não tinha um guaraná, não tinha uma água, só tinha cerveja, eu que não gosto de cerveja, eu tinha que levar tudo… A mesa que eles usavam era a coisa mais tosca (rindo)… tinha que ter guardado aquela mesa, a mesa que eles usavam, é histórica! Cheia de farpas, os copos caíam! (rindo muito) Mesa velha mesmo! E era um paraíso mesmo… Eu ia pra lá e ficava tão feliz… sabe? (visivelmente emocionada) Ficava debaixo daquela tamarineira que foi abençoada pela mãe do Bira, que era mãe-de-santo, feita pela Mãe Menininha do Gantois, tinha um fundamento ali… Eu sei que quando eu resolvi botar isso no estúdio, eu cheguei pro Rildo, que era meu produtor na época, e disse “Rildo, eu conheci uma turma e eu quero gravar com esses caras”. O Rildo ainda disse, “olha, Beth, isso é muito bom ao vivo, aí chega no estúdio e não dá a mesma coisa…”. E eu disse, “Eu garanto!”. Eu tinha certeza absoluta! Tem maior precisão maior que o Ubiranyr naquele repique de mão? Não tem! Aí o Rildo foi lá, e não contente com isso, fizemos um bate-bola, que depois virou moda nas gravadoras! A gente, antes de gravar pra fazer, fazia o bate-bola. Cerca de 40 músicas, todas com a harmonia escrita, e a rapaziada metia a mão, entendeu? Aí… (emocionada)… a verdade… a verdade… Eu tava fazendo aquilo com um conhecimento de causa tão grande… que não podia dar errado… Eu não imaginava que fosse dar o que deu não, entendeu?, mas não podia dar errado… Ali estava todo muito com muita gana! Eles não tinham espaço! E eles tinham paixão por aquilo! Era mistura de bloco, com a composição, com a novidade, tudo junto, e eu dando força, moral… aí arrebentou o “Vou Festejar”, o disco todo, né? Várias faixas daquele disco…
EG: Tem um clipe gravado lá, belíssimo…
BC: É, então… Eu fiz tudo lá! A capa lá, a contracapa é lá, o encarte é lá e eu dediquei ao Cartola, esse disco, e fiquei ajoelhada aos pés de São Sebastião do Rio de Janeiro, que tem um altar lá no Cacique. Totalmente entregue! Eu não disse que eu quis morar em Ramos! (rindo)
LAS: Imagina, morar na Uranos!
BC: Ah, Simas, eu sou muito apaixonada…
EG: Beth… fala um pouco do Cartola…
BC: O Cartola teve, digamos assim, três lançamentos… Quando começou, fazendo música com o Francisco Alves, depois o ostracismo, quando o Sérgio Porto encontrou o Cartola lavando carro, depois ele teve um boom, depois veio a Jovem Guarda, foi ruim pro samba, e depois ele só foi voltar mesmo depois que eu gravei “As Rosas não Falam”… Foi quando ele pode ter uma carreira de discos, a RCA contratou ele…
LAS: Verdade…
BC: E quando eu gravei o “Folhas Secas”, em 72, a RCA contratou o Nelson, e o Nelson pode ter seus discos na RCA, que era uma grande gravadora! O Nelson já tinha um disco de depoimentos, ele cantava, um disco maravilhoso… Mas disco dele cantando, tocando, foi na RCA…
LAS: Beth, eu acho que a gente tem cantoras que colocam a obra a serviço delas, sabe? Você, não, você se coloca, na sua trajetória, a serviço da obra do compositor. E esse, pra mim, é o mérito maior de uma cantora. Você entender o que o compositor está querendo, o que é a obra está querendo, e não colocar a obra a seu serviço…
BC: Puxa… muito obrigada… Eu recebo muito isso dos compositores, sabe? Eles todos dizem isso, sabe? “Agora, sim, a minha música tá aí…”. Quando eu gravo…
EG: Quem te chamou de madrinha pela primeira vez?
BC: Ah, isso agora já virou até vulgar, mas não é!
EG: É que os detratores de plantão, que tem, né?, eles usam muito isso…
BC: Ah, tem!
EG: Mas você lembra quem foi que manifestou gratidão, assim, dessa forma carinhosa?
BC: Não lembro… Eu acho que foi o Fundo de Quintal, por causa do “Vou Festejar”… Eu acho… Sabe o que aconteceu? A música estourou de um jeito, do Oiapoque ao Chuí, sabe?, que o bloco, que estava decadente, subir de novo. Saíram 5 mil pessoas nesse ano, no Cacique! Demorou umas 5 horas, o desfile! E eu lá. Aí eu virei madrinha do Cacique de Ramos, do bloco. Aí quando o grupo Fundo de Quintal, que já tinha esse nome e era amador, entrou numa gravadora, eu me tornei madrinha do Fundo de Quintal. Eu ofereci eles pra RCA e a RCA não quis. Aí eu liguei pro Durval Ferreira, tinha saído da RCA, era diretor da RCA, meu amigo dos tempos da bossa-nova, e ele ficou encantado… Eu falei, “Durval, sabe aquele povo que gravou comigo?”, “Claro que eu sei, aquele grupo que tocou contigo?”, “Pois é, eles querem gravar um disco!”, e ele, “Pode mandar!”, era na RGE. Saiu o primeiro disco do Fundo de Quintal, eu escrevi a contracapa, contei a nossa história, a história da tamarineira, um texto grande, hoje no CD só tem a frase final! (rindo) E tem um beijo meu, no final, de batom mesmo, sabe? E o disco estourou, mais na periferia, mas estourou, foi muito bem. Era Jorge Aragão, Almir Guineto, aquela turma. Depois saem os dois e entram Arlindo e Sombrinha. É como eu digo sempre… o grupo Fundo de Quintal é uma filosofia, não é só um grupo de samba. É muito difícil, num grupo, saírem duas pessoas talentosas e depois entrarem mais duas talentosas, né?
LAS: Verdade…
BC: Eles conseguiram isso… Eles seguram a onda até hoje… Enchem quadra, o público quer… Acho que começou assim, desse jeito… Ah, e o primeiro contrato deles eu li e mexi! Aumentei o percentual deles, de 5% pra 7% (rindo) Eu sempre me meti além, sabe? A minha relação com as pessoas sempre é mais profunda, nunca é superficial. Conheço você (dirigindo-se ao Simas) há pouco tempo, mas já é profunda a nossa relação, não é? Não fica no superficial. Então, o Fundo de Quintal eu peguei como uma coisa muito linda, muito diferente… Eles tiveram dificuldade pra gravar, eu chamei eles pra fazer o Pixinguinha, eu já nem podia mais fazer o Pixinguinha, fiz por causa deles, juro por Deus… Eu tinha um namorado, na época, que tinha uma gráfica, e ele tirou a foto dos caras, fez a gráfica do segundo disco, e saiu, já com Sombrinha e Arlindo… E por aí foi… Voaram sozinhos… Eu acho que eles começaram a me chamar de madrinha do Cacique, depois de madrinha do Fundo de Quintal… Depois do Arlindo, do Sombrinha, do Luiz Carlos da Vila…
EG: E do Zeca, né?
BC: Mas é que eu cheguei no Cacique em 67… Em 84 eu tomei conhecimento dele ali, com aquela sacola da Sendas, com um cavaquinho, ele magro, parecia um palito… E pra chegar na roda… É como ele mesmo disse hoje… Tinha a turma que ficava sentada, a diretoria absoluta. Tinha a primeira fila que ficava em volta, o que já era um status, depois outras, depois outras. Um dia eu vi o Zeca versando… Fiquei encantada. O Almir Guineto versava maravilhosamente e ele ali, segurando a onda. Aí ele pediu pra cantar um samba e mandou o “Camarão que Dorme a Onda Leva”… (rindo), o título já é bom demais… Eu falei pra ele, na hora, “Eu vou gravar isso e quero você lá comigo, cantando!”. Coisas da vida. Eu saquei ele algo mais, entendeu? Gravei com ele. Aí ele foi pro estúdio gravar, eu lembro que tinha um microfone de ouro e eu disse “Aí, hein, Zeca, você vai cantar num microfone de ouro!” (rindo muito)
EG: Mas até hoje você recebe muita coisa pra gravar, né? Por exemplo… sei que você está escolhendo repertório pro disco novo… Quantas você recebeu?
BC: Ah, mais de 400 músicas. Mais até, sabe? Agora com esse negócio de e-mail, vem até por e-mail! É mais simples… Antes tinha que fazer uma fitinha… Era sempre mais difícil…
EG: E você ouve tudo?
BC: Ah, ouço! Tudo! Mas a gente de cara já sabe se a coisa é boa, sabe como é, né?
EG: Sei, sei! Tem uma história boa sobre isso de “coisa boa” com você…
BC: Qual?
EG: Quando você ouviu a primeira vez o “Saudades da Guanabara”…
BC: (rindo muito)
EG: Você matou de cara que era uma coisa boa mas…
BC: Isso foi em 84. Matei de cara! Melodia linda…
EG: Conta!
BC: Sabe a Célia, aquela cantora paulista? Ela vinha pro Rio pra fazer show no Arcos da Lapa e ela ficava hospedada lá na minha casa. Um dia ela me pediu pra ensaiar lá em casa. Na hora do ensaio, quem era o violonista? Moacyr Luz. Ensaiou com ela e quando acabou o ensaio ficamos no comes e bebes, e ele mostrou umas coisas dele… Gostei da primeira, gostei da segunda, várias outras, e uma tal de “Saudades da Guanabara”, que eu não gostei da letra… (rindo) Eu falei pra ele… “Você é um compositor!”, porque tem isso, né? É preciso um número “x” pra você saber que o cara é bom. E aí, cinco anos depois, em 89, eu já amiga do Moacyr, freqüentava aquelas reuniões musicais excelentes que ele promovia, Paulinho Pinheiro, Aldir Blanc…
EG: Fátima Guedes…
BC: … Sueli Costa, Claudio Cartier, Itamara Koorax, e eu já tinha fechado meu disco de 89. Mas aí, numa dessas reuniões, eu falei, “Moacyr, você tem um samba que você me mostrou em 84, ´Saudades da Guanabara´, lindo, mas eu não gostei da letra…”, eu já tinha intimidade pra isso, né? Sugeri a ele o Paulinho Pinheiro, o Aldir… Eu sei que ele me ligou, depois, e cantou “Eu sei que o meu peito é uma lona armada…”, putz! Aí virou o nome do disco, a capa foi concebida por causa desse samba, peguei o chapéu do Moacyr, tirei a foto com ele… (rindo)
LAS: Já que estamos em 89… Foi o ano que o Botafogo quebrou o jejum!
EG: Vou sair pra fumar!
BC: (rindo) Campeão! Nesse disco eu canto “Esse é o Botafogo que eu gosto…”.
LAS: A sua família era de botafoguenses?
BC: Toda! Meu pai era botafoguense, minha mãe era botafoguense. Meu pai remou pelo Botafogo quando era jovem, eu freqüentei o Botafogo quando era criança, nos bales infantis, e eu só ouvia falar de Botafogo na minha casa, não tinha como ser outra coisa. E eu tenho muito orgulho de ser Botafogo!
LAS: E tem muita gente do samba que é Botafogo…
BC: Tem, Vasco também… Foi minha paixão de criança também. E em 89 o Elias da Silva me mostrou esse samba, e eu chamei só botafoguense pra gravar, até o Edil Pinheiro gravou o côro, até a Sonja, aquela menina…
EG: A gandula, meu Deus…
BC: Na gravação teve até bolo do Botafogo!
LAS: Tem um vídeo, na internet, tem você, Emilinha Borba, no Maracanã, nesse jogo…
BC: Tem, é? Eu estava com uma bandeirinha de papel, do Botafogo, que a Luana fez pra mim… Supersticiosa como toda botafoguense…
LAS: Posso fazer uma pergunta de ordem sentimental?
BC: Pode, claro!
LAS: Fugindo um pouco disso, mas eu me lembrei, e é interessante… Eu sou filho de pernambucana, minha mãe é pernambucana, meu avô era pernambucano, e eles gostavam muito de você, e a primeira referência que eu tive de você, engraçado isso, não foi com samba…
BC: Foi com o frevo!
LAS: Isso…
BC: Evocação no. 1… e que eu ouvia quando era criança, foi música de carnaval no Rio de Janeiro, e eu achava incrível eu saber essa letra, lindíssima, difícil… Depois eu conheci o Nelson Ferreira, ele me deu os discos dele autografados! (imitando o frevo) Sabe… eu tive uma professora fundamental, cunhada do Villa-Lobos, e eu aprendi teoria musical, fiz parte do canto orfeônico… Cantei em igreja…
EG: Fala pra nós, agora, sobre política… Você se aproximar do Fidel, do Brizola… E fala, se você puder, né?, se isso de alguma maneira prejudicou você em certo momento na sua vida… Já que você é muito ligada às esquerdas…
BC: Mas eu vou morrer assim, não tem jeito, não vou mudar! Agora, por exemplo, temos um Presidente que é o mais próximo daquilo que a gente quer, e que encontrou um país muito estraçalhado pelos governos anteriores, e o Lula está fazendo uma série de coisas que me agradam no sentido da melhoria do povo brasileiro… Ainda falta muito, a gente sabe disso… Mas ele está conseguindo muita coisa. E eu vou sempre estar desse lado, sempre!
EG: E o Fidel, Beth?
BC: Ah, o Fidel… Olha… a gente era apaixonado pela revolução cubana, totalmente a favor… Era uma coisa absurda o domínio americano dentro daquela ilha, prostituindo as meninas de 10, 11 anos, e querendo tomar conta da América Latina, do mundo inteiro. E aí, por influência do meu pai, da minha mãe, a gente torceu muito pra tudo dar certo na revolução… E deu! E deu! Dizer que não deu certo é brincadeira… porque com todo o bloqueio norte-americano a gente consegue ter um país que não tem um analfabeto, e aquela história… e aquela frase linda… todo dia tem uma criança dormindo na rua, nenhuma delas é cubana! E é isso. Isso define tudo. É verdade. Eu fui lá e constatei. Bem depois da revolução. Não tem analfabeto, ninguém sem sapato, ninguém sem dente, não tem criança na rua, e criança na rua é uma coisa que me mata!
EG: Mas como você conheceu o Comandante, Beth!?
(rindo)
BC: Olha… o Comandante sabe de tudo. Sabe quem é quem em cada lugar do mundo. Ele não vai convidar, pra lá, quem é contra a revolução… E ele tá certo, chamar só quem tem a ver com a causa! O que vai fazer lá alguém que é de direita, né? Ficar pichando? E ele me chamou por isso… Em 77… Festival de Varadero, fui com meus músicos…
EG: Antes do Brasil reatar relações diplomáticas com Cuba…
BC: Antes, antes… E aí, a grande Lázara…
LAS: … mulher do Santiago Alvarez, o cineasta…
BC: Isso… Hoje viúva… ele é considerado o maior documentarista da América Latina… Aquela mulher, tradutora do Fidel no mundo inteiro… quando eu fui à Cuba pela segunda vez, pegava a Luana por aqui (no colo)… (rindo)… Conheci Lázara naquela época, em 77, e somos amigas inseparáveis até hoje… Amo a Lázara, uma mulher negra, linda, maravilhosa, sempre com uma flor na cabeça… esse é o espírito cubano… Eu fiquei encantada com Cuba. Pra começar, o cara que carrega sua mala é um poeta, te dá um banho em qualquer assunto… Sabe… quem vai à Cuba tem que saber que o turismo é o povo! É linda, praias lindas, mas é o povo que te encanta, um povo solidário… Eu acho muita graça quando vejo campanha para sermos solidários com Cuba… Não! Vamos ser solidários contra esse bloqueio… Mas Cuba dá aula de solidariedade pro mundo, sabe?! Eles são capazes de mandar médicos pros Estados Unidos, pra população pobre dos Estados Unidos, que tem mas que os americanos escondem… Mas eu só fui conhecer o Fidel, pessoalmente, na minha segunda visita à ilha. Porque a gente nunca sabe se vai ou não conhecer, né? Mas dessa vez eu fui como convidada de honra, sem fazer show. Foram vários artistas… e Fidel nos recebeu, de repente… Sofremos uma revista muito simples… bebemos mojito… Anos depois o Fidel veio ao Brasil e eu fui escolhida pra entregar a ele o título de Cidadão Carioca, na UERJ!
EG: Pra acabar… Eu acho que a primeira vez que eu te vi chorando, de dor, foi…
BC: … com aquele lance da Mangueira…
EG: … isso. Tem algo que tenha te ferido tanto, uma mágoa, na carreira?
BC: Não, sabe? Nada me magoou mais que aquele lance da Mangueira. Mas como qualquer profissão, a profissão de cantar é difícil. Tem o palco, vaidades… é complicado. Eu lamento, apenas, que eu tenha deixado de ser pura, sabe? Eu tenho o coração aberto até hoje, mas eu já tive mais. Eu tenho saudade do tempo em que eu não tinha esse… esse aprendizado, sabe? É bom por um lado mas por outro a gente sofre… E se você é politizado, sofre mais ainda…
EG: E um puta orgulho que você tem?
BC: Ser mãe, em primeiro lugar. E de ser brasileira, de ser brasileira, eu amo esse país. De ter sido enredo de uma escola de samba… Unidos do Cabuçu, 1984. De ter cantado no Carnegie Hall, eu acho importante, no Maracanãzinho, em 78, eu novinha, e ter dado conta daquele recado… ai, muita coisa…
EG: Gostou?
BC: Adorei! Mas faltou falar dos discos, né? (rindo)
LAS: Muita coisa… Beth, e o jongo? Uma das primeiras gravações que eu me lembro foi com você…
BC: Ah, é como eu te falei… Ali eu também fui fundo. Como eu te falei eu não faço nada superficial. Eu me encantei com a Vovó Maria Joana, eu passei a freqüentar o jongo da Serrinha, a aprender a dança, eu me envolvi com aquelas pessoas, eu ia pra lá almoçar, eu não sei fazer diferente. E deu um resultado que eu considero muito bom! Fizemos direito, com o som direito.
EG: O que é que você está ouvindo hoje?
BC: Muita coisa… Ah, Mariene de Castro… que também é minha afilhada (rindo muito), afilhada baiana. Querida, muito querida… Está na Universal agora, é uma grande representante da Bahia, do samba, brasileiríssima, linda…
EG: Acabou, né? Meia-noite e quarenta, já!
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