Gilberto Gil - Domingo no Parque
Poucas horas antes de sua apresentação no 3° Festival de Música Popular Brasileira, Gilberto Gil estava tremendo de frio, sob cobertores, na cama de um hotel em São Paulo. Vivia uma crise que vinha se arrastando. Em julho de 1967, poucos meses antes do festival, Gil ficara impressionado com o disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. No mesmo mês, havia participado de uma passeata contra "a invasão da música estrangeira" ao lado de Elis Regina, que, pouco tempo antes, lançara canções de Gil no programa O Fino da Bossa, na TV Record. Naquele dia 21 de outubro, em que subiria ao palco com Domingo no Parque, Gil amarelou. Foi preciso que Paulinho Machado de Carvalho, diretor-geral da TV Record, que organizava o festival, se juntasse a Nana Caymmi, segunda mulher de Gil, e a Caetano Veloso, o amigo que apresentaria "Alegria, Alegria" na mesma noite, para o levarem ao teatro.
As confusões, paradoxos, dúvidas, e múltiplas influências que atraíram e atormentavam o compositor baiano foram traduzidos com maestria para "Domingo no Parque" por Rogério Duprat. O maestro combinou berimbau com guitarras elétricas e temperou-os com ruídos de parque de diversões, sintetizando a multiplicidade tropicalista num baião reinventado. Os arranjos pontuam movimentos decisivos da música, que narra um crime passional: José mata Juliana, sua amada, e João, seu amigo, que passeavam juntos em um parque de diversões em Salvador.
O tema, tradicional, é reelaborado com personagens da capoeira: o extrovertido e o tinido são dois arquétipos que agem conforme suas características psicológicas no jogo levado pelo berimbau. A construção sofisticada de Gil faz uma montagem de cinema para contar o crime. Extremamente imagética, a narração começa com a apresentação dos personagens João (o extrovertido) e José (o tímido) – um é operário de construção, o outro, feirante -, que se preparam para ir ao parque no domingo. A "câmera" de Gil e os arranjos de Duprat acompanham José quando ele se assusta (Juliana!/ Foi que ele viu), em sua decepção (Juliana na roda com João/ Uma rosa e um sorvete na mão/ (...)/ O espinho da rosa feriu Zé/ E o sorvete gelou seu coração) e na reação furiosa (Olha a faca!).
Com o arranjo de Duprat, os cortes os cortes rápidos da letra provocam vertigem, remetendo à confusão visual do parque e das emoções do personagem: "O sorvete e a rosa/ A rosa e o sorvete/ Oi girando na mente/ do José brincalhão/ Juliana girando/ Oi na roda gigante/ Oi na roda gigante/ O amigo João". A orquestração de Duprat também é narrativa e acompanha a história criando suspense com violinos, por exemplo, da mesma maneira que ambienta o começo da canção com sons de parque: realejo, brinquedos, crianças.
"Domingo no Parque" mostra a importância de Rogério Duprat para a tropicália quando Gil lhe pediu indicação de um grupo de rock, Duprat indicou o trio Os Mutantes, formado por Arnaldo Batista (baixo), Sérgio Dias (guitarra) e Rita Lee (vocais). Os jovens paulistanos deram o clima de Sgt. Pepper’s que Gil tanto queria. "Domingo no Parque" ficou em segundo lugar no festival, e o compositor baiano abandonou de vez a passeata contra as guitarras elétricas.
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Fonte: Revista Bravo - 100 Canções Essenciais da Música Popular Brasileira
Colaboração: Fabio Eça.
Um comentário:
Simplesmente sensacional!
O rei da brincadeira,ei,José!
O rei da confusão,ei João!...
Eu gostaria de estar num daqueles festivais,as vezes vejo,e fico pensando:Quantas emoções reprimidas, eles,naqueles festivais,eram extravazadas;era mais que emoção:Eram gritos de guerra!
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