Entrevista com Ana Cañas concedida à Clara Vanali, para a Revista Contigo, no dia 11 de agosto de 2009. Segue o teor da matéria:
Ana Cañas é diferente de todas as cantoras que você já ouviu falar. Quando criança, ela não cantava em churrasco de família e não ouvia a coleção de vinis dos pais nos toca-discos de sua casa. Ela também não fez aula de canto e sempre teve o sonho de ser professora de teatro. Aos 22 anos tudo isso mudou. Ana descobriu o jazz, e com o ritmo, a sua própria musicalidade. Em 2007, aprendeu a tocar violão, lançou o primeiro disco independente e foi considerada uma das maiores revelações da MPB. Hoje, aos 28 anos, Ana lança o seu segundo trabalho, Hein?, com um estilo mais rock e com músicas feitas em parceria com Arnaldo Antunes. Ainda assim, o sucesso não sobe à cabeça. Moleca, a cantora não tem pressa e acredita que o tempo a deixou ainda mais centrada e, por que não, bonita.
Você descobriu o seu talento como cantora aos 22 anos, diferente de muitas que começaram a cantar desde criança. Hoje, você já é respeitada como uma grande cantora e compositora. Como lida com esse sucesso?
Na verdade não acho que existe esse supersucesso. A palavra sucesso é perigosa. Às vezes você faz sucesso porque está muito exposta, e não por estar, de fato, fazendo sucesso. Eu quero ter uma relação diferente com o público.
Você se formou em artes cênicas. Por que desistiu de atuar?
Na verdade o meu plano era ser professora de teatro. Cheguei a lecionar em São Paulo, na periferia, e tive um envolvimento muito grande com educação e arte. Mas no fundo, sempre soube que eu não tinha talento para atuar. Comecei a cantar quando descobri o jazz e me apaixonei. Cantava em todos os tipos de bares, desde os mais sujos até os mais caros. Em 2007, consegui lançar meu primeiro disco, Amor e Caos, lançado pela Sony, mas feito de maneira independente.
E como você descobriu sua voz? Você fez aula de canto ou cantava no chuveiro mesmo?
Cheguei a fazer aula, mas desisti. Eu tenho dificuldade em criar uma rotina. Quando descobri que a minha escola era durante a noite, eu caí de cabeça. Não tive uma professora, mas tenho o público. Meus amigos que tocavam violão me diziam que eu tinha musicalidade e assim fui me descobrindo. Eu não fui uma adolescente que ouviu música, meus pais não tinham amor por música, não cultivavam essa cultura dentro de casa. Mas aí, de repente, percebi que poderia desenvolver essa capacidade, fui coerente com meus sentimentos. É assim que tem que ser, se você amanhã descobrir que quer ser fotógrafa, pode ser.
A sua primeira música de sucesso foi Ana. Como foi se ouvir nas rádios?
Foi muito louco! (risos). Eu nunca imaginei que a gravadora fosse escolher a Ana como canção de trabalho. É uma delícia cantar uma música e as pessoas cantarem com você. Foi ótimo, mas hoje eu vejo que abordei o tema da Ana de maneira superficial. Mesmo assim, foi o que a minha maturidade me permitiu naquele momento. Eu quis falar da mulher, que a gente não cabe num rótulo, que somos azedas e doces, não há definição.
Você foi considerada como um dos novos talentos da MPB. Mas o seu novo CD, Hein?, tem uma pegada mais rock. Você se considera uma cantora de MPB?
Não tenho essa coisa de pertencer a um estilo, quero que a música seja boa. Ninguém permanece do mesmo jeito. Se você ouvir Beatles, vai ver que eles começaram de um jeito e terminaram de outro.
Ainda em Hein?, há algumas músicas feitas por você e pelo ex-Titã Arnaldo Antunes. Como foi o processo de compor músicas com quem você nunca tinha trabalhado?
Eu já conhecia o Arnaldo da estrada, a gente se cruzava em alguns eventos, mas não imaginava que ele faria o disco comigo. Meu produtor, o Liminha, enxergou vários pontos de conexão entre a minha música e a dele. Assim, fizemos uma noitada com vinho lá em casa e ficamos compondo na madrugada. O Arnaldo é ótimo, um gênio.
E como foi trabalhar com o Liminha? Eu li que ele a incentivou a começar a tocar guitarra e violão.
Isso mesmo, o Liminha achou que eu deveria aprender a tocar. Comprei um violão, comecei a tocar e a compor. Ainda não sei muita coisa, estou conhecendo o universo, mas se souber três ou quatros acordes, você voa.
Você assina 11 músicas neste novo CD. Quanto tempo demorou a ficar pronto?
Comecei a compor em outubro do ano passado e gravamos em março e abril deste ano. Mesmo assim muita música boa ficou de fora. E muita música ruim também, porque isso faz parte. Você não pode ter medo de compor, as canções ruins fazem parte do processo.
O clipe do seu segundo CD tem a direção do Selton Melo. Como surgiu essa possibilidade? Vocês eram amigos?
Selton e eu nos conhecemos de longa data. A ideia do CD surgiu no ano passado quando estávamos no Altas Horas. Ele me deu o CD da trilha sonora do seu filme, Feliz Natal, e eu falei no ar: ''Quero gravar um clipe dirigido por você''. E assim, tudo aconteceu. Temos uma empatia musical muito grande e o Selton faz arte de maneira muito honesta.
Os seus clipes são muito coloridos, têm um estilo próprio. Você sempre dá sugestões na produção?
No caso do Selton, eu entrei na dele, confiei nele. Eu já fui muito neurótica, queria cuidar um pouco de tudo. Mas hoje vejo que é importante mostrar do que eu gosto, mas nunca no sentido de podar.
Com o tempo, você se sente mais feliz?
Com certeza eu sou mais feliz agora. Me sinto mais bonita, mais mulher. Com a idade o corpo muda, o peito dá uma caída, tudo muda, mas o homem que procura uma Barbie não me interessa. A maturidade faz muito bem para a mulher. Tenho muito mais amigos, pessoas reais. Eu tô adorando envelhecer, e acredito que ficarei à vontade com a velhice, não me importo com isso.
Você ainda fica nervosa antes dos seus shows?
Fico muito nervosa, tenho dor de barriga (risos). Mas acho que isso é bom, dá mais adrenalina.
O que você tem vontade de fazer e não está conseguindo por falta de tempo?
Eu acho que quando a gente realmente quer uma coisa, arrumamos um tempo. Só não estou conseguindo viajar. Nunca fui para a Europa, conheço poucos lugares.
Há muitas fotos suas em que você está com um batom vermelho. Você sempre usa maquiagem?
Eu tinha muito preconceito com as ideias de beleza, inclusive com o batom vermelho. Fui uma adolescente muito menino, jogava bola e fazia judô. Mas com o tempo, percebi que há mulheres de calcinha e sutiã que não são vulgares, e mulheres supervestidas que se mostram vulgares. Não tem nada a ver se proibir de usar as coisas. Descobri o batom vermelho e não tiro mais da boca (risos). Estou gostando, me permitindo usar tudo o que tenho vontade. Quero ser feliz!
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Publicada no site da Contigo! (http://contigo.abril.com.br/). Editora Abril: 11/08/2009.
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