Renato Braz - Onde Está Você
Esta entrevista com Renato Braz foi concedida em dezembro de 2001 a Sérgio Fogaça para o site Página da Música e que posto aqui no blog, em duas partes, para que todos possam conhecer um pouco da vida de Renato Braz. Confiram!
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Se o vento cantasse...
(Por Sérgio Fogaça)
Quando se escuta uma música interpretada por Renato Braz a impressão que se tem é a de que o homem foi feito para cantar. Depois, o mundo real nos lembra que esse é um dom para poucos. Bem poucos. Sua voz plaina na melodia e suspende no ar a canção. Renato está lançando seu próximo CD em janeiro de 2002. "Outro Quilombo" deve repetir o sucesso dos dois trabalhos anteriores. Todos lançados pelo selo Atração Fonográfica. Um autêntico cantor da noite, Renato credita toda sua experimentação e o saber musical aos "bares da vida". Mas nem por isso deixa de participar de grandes projetos da música brasileira, além de shows com repertório próprio.
Tem o reconhecimento de personalidades importantes como Dori Caymmi, que arranjou várias canções de seu segundo trabalho, "História Antiga". O primeiro CD segue uma tradição na história da música brasileira e chama-se simplesmente "Renato Braz". Sua carreira é pura coerência. Só canta o que realmente sente que quer cantar, sem concessões. O Perfil deste mês radiografa Renato Braz. Acompanhe a entrevista:
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Página da Música - Onde você nasceu?
Renato Braz - Eu nasci em São Paulo. No hospital Pérola Byington, na Brigadeiro Luis Antonio.
PM - Da gema. E num lugar bem tradicional.
RB - Nasci em 13 de outubro de 1967 e, na verdade, o hospital ainda chamava-se Cruzada Pró Infância.
PM - Onde você passou a sua infância?
RB - Minha família rodou muito por São Paulo, mas a maior parte da minha infância foi nessa região mesmo. Também no Bom Retiro, Casa Verde e Itaim Bibi.
PM - Era de brincar na rua, por exemplo?
RB - Onde é a avenida Juscelino Kubitschek era um rio ainda não canalizado. Eu brincava de carrinho de rolemã na Juscelino, ia até o Parque do Ibirapuera a pé, com cinco ou seis anos de idade. Naquela época São Paulo era outra cidade.
PM - Você é de família numerosa, tem muitos irmãos?
RB - Eu tenho mais uma irmã e dois irmãos. Agora, tenho vários sobrinhos.
PM - Quais são suas referências de música, desses tempos mais remotos?
RB - Desses tempos eu lembro de ouvir muito Roberto Carlos por meio da minha mãe e Luiz Gonzaga por parte do meu pai. Meu pai ouvia muito a música do Luiz Gonzaga e a música nordestina.
PM - Alguém tocava alguma coisa na sua casa?
RB - Minha mãe cantava um pouco, mas bem a lazer. Ela nem sabe disso, mas ela é uma grande cantora, afinada e tudo.
PM - Mas quando você acha que foi tendo uma ligação mais íntima com a música?
RB - É incrível, mas desde muito pequeno. Com cinco anos cantava Cavaleiro de Aruanda, do Ronnie Von, que uma tia minha gostava muito. E depois aquela febre de música americana, eu tentava imitar o Michael Jackson.
PM - Nesse momento, meados dos anos 70, também tinha muito cantor brasileiro que cantava em inglês e até usando nome estrangeiro.
RB - Essa minha tia gostava muito dessas coisas. Mas eu particularmente não gostava muito. Tinha o Christian, acho que o Fábio Júnior também usava um pseudônimo em inglês. Enfim, eram vários. Mas eu gostava dessa música do Ronnie Von, Cavaleiro de Aruanda, uma música legal, era meio candomblé, sabe? E eu gostava muito. Aprendi a cantar pequenininho. Talvez seja a canção mais antiga de que eu me lembre cantando.
PM - Mas quando você achou que seria mesmo um cantor, um intérprete?
RB - Mesmo nessa época eu já sabia. Engraçado. Já sabia que queria ser cantor. Na adolescência gostava muito de freqüentar baile. Baile funk da época. Quando tinha grupos americanos tipo Kool and The Gang ou mesmo os Jackson Five nessa mesma época. O Earth Wind and Fire e o Tim Maia. Foi aí que apareceu o Tim Maia como um grande ídolo para mim. Hoje eu tenho tudo do Tim Maia. É um dos caras que eu mais conheço. Sua música é história. Aprendi muito com ele, a cantar, tocar... tocar bateria. Comecei cantando na noite as coisas do Tim Maia, como Azul da Cor do Mar.
PM - Você toca bateria?
RB - Foi meu primeiro instrumento, toco até hoje.
PM - Você estava com quantos anos, nessa época?
RB - Uns 14 ou 15 anos. Idade em que comecei com a bateria.
PM - Esse foi o primeiro instrumento que você aprendeu?
RB - Na verdade eu já sabia que era cantor, mas não tinha muita coragem de ficar na frente da banda e cantar. A bateria ajudava um pouco, porque eu também cantava tocando bateria, com o microfone ali mesmo. Fazia aquele quatro por quatro, que é um ritmo fácil. De certa forma a bateria ajudava um pouco, eu não gostava de ser crooner, de ficar na frente.
PM - Você tem alguma formação acadêmica ou aprendeu tudo intuitivamente?
RB - Não, aprendi tudo intuitivamente. Fiz algumas tentativas frustradas. Mas foi muito legal ter aula de piano no começo de tudo, na adolescência. O piano foi bom para eu descobrir as notas, mas tenho muita dificuldade de decorar, então acabava seguindo mais a melodia. A partitura estava ali na minha frente, mas sempre acabava me ligando mais por onde ia a melodia, de ouvido. Coisas fáceis é claro, nada muito complicado.
PM - Teve ainda outros instrumentos na história?
RB - Hoje eu toco alguns instrumentos de percussão, como o pandeiro, congas etc. Mas tudo aprendendo com amigos que tocam e me ensinam. Vou percebendo, por exemplo, como é a levada da salsa, do merengue, do mambo. Mas sempre aprendendo através do toque de amigos.
PM - Não pintou nessa época um pouco daquele pensamento convencional de seguir estudando e prestar um vestibular, por exemplo?
RB - Eu trabalhava como office boy numa empresa de turismo, e me dividia muito com as coisas que apareciam, como um festival de colégio e depois comecei a tocar na noite, muito cedo. Teve até uma época quando tentei fazer um curso supletivo, mas não deu certo. Aí resolvi fazer música, parar tudo e fazer só música.
PM - Você já estava bem seguro com a música?
RB - Quando você começa a tocar na noite e começa a ganhar um pouco de grana com isso, vai automaticamente suprindo a necessidade que o trabalho te dá. Para mim, ainda, já tinha uma tendência de passar a noite acordado. E isso preocupava muito a minha mãe, por exemplo.
PM - Como eles encaravam isso, já que muito cedo você estava trabalhando na noite?
RB - Eu tive problema, e problema sério com a minha mãe. Quando eu estava nessa agência de turismo, ela adorava. Devia mesmo imaginar aquelas coisas: vai conseguir se promover na empresa etc. Deixar de ser office boy e passar para a contabilidade, por exemplo. Agora, à noite ela devia imaginar tudo. Sexo, drogas e rock’n roll. Mas eu, nossa, sempre fui caretasso, tranqüilo.
PM - Nessa época você já conhecia alguém da música brasileira, você ia a shows?
RB - Não, quase nada. Mas meu primeiro show foi ainda nessa época, um show do Renato Teixeira, no Centro Cultural São Paulo. O show chamava-se "Azul", eu acho. Foi logo depois que a Elis Regina morreu. No final, ele cantava Romaria e, num telão, projetavam a Elis cantando também. Ou seja, os dois cantando no mesmo tom e ele deixava o palco nessa situação. Pô, foi de chorar mesmo, muito emocionante.
PM - Você já escutava muito a Elis?
RB - Escutava. Meu ídolo mesmo, o primeiro, foi Ney Matogrosso. Eu adorava.
PM - Até antes do Tim Maia?
RB - É. Quando eu era criança ainda. Na época do Secos & Molhados. Eu era completamente apaixonado por tudo aquilo.
PM - Você começou a tocar onde e o que você tocava?
RB - Comecei num bar chamado Lero Lero, em Barueri. Eu tocava, como eu disse, todo o repertório do Tim Maia. Depois Gilberto Gil, como Não chores mais, 14 Bis eu gostava muito, Roupa Nova, Boca Livre.
PM - Você ainda canta na noite?
RB - Gosto pra caramba de tocar na noite. É gostoso porque é espontâneo, você pode ir experimentando mesmo, sem ter aquela coisa posada de ter que ensaiar um show. Não que eu também não goste disso. Apresentar um trabalho novo, que foi bem elaborado, e tal. Mas eu gosto de arriscar. A escola do autodidata é essa mesmo Tentar várias vezes, e até errar algumas. Ou mesmo cantar uma música que você nunca cantou.
PM - No mínimo isso te dá muita versatilidade, não?
RB - É bom experimentar e sempre estar acompanhado por pessoas que também têm essa mesma disposição de criar um novo modo de interpretar uma canção, ou mesmo arranjar de modo diferente. Não sei viver sem fazer isso.
PM - Quem hoje você acha que tem esse tipo de característica de experimentar, de cantar, ir por lugares diferentes na música?
RB - Eu gosto muito do Carlinhos Brown. Acho que ele tem essa coisa de inventar. Um show dele nunca é igual a outro, acho muito interessante isso. Ele é muito criativo.
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